É
sempre assim. A cada quatro anos, eles saem das tocas e aparecem com seus
discursos ensaiados, cheios de emoção, raramente tendo algum fundamento lógico
ou racional. As multidões que presenciam seus eventos saem animadas,
acreditando em tudo que disseram, e prometendo seguir fielmente o que foi dito.
Tudo isso para depois das eleições desaparecerem, ou pelo menos ficarem mais
discretos, voltando, digamos assim, à normalidade. Sabe de quem estou falando?
Não, não é dos políticos. É de uma outra categoria de pessoas,
que também depende da credulidade e da falta de espírito crítico das massas
para poder sobreviver. Trata-se dos modernos “apóstolos”, que não perdem
oportunidade para tentar uma boquinha no governo. De preferência uma que lhes
agrade ideológica e politicamente (se é que têm noção dessas coisas); mas se
não der, não tem problema. O importante é entrar na festa; depois, se for o
caso, bandeia-se para a “oposição”, cospe-se no prato em que se comeu e
busca-se outra sombra melhor.
Aqui vai um exemplo claro. Recentemente apareceu na
mídia uma
notícia dando conta de que começou uma “campanha de jejum e oração pelas eleições”. Essa
campanha foi inventada por “líderes evangélicos” e “levitas” famosos. O objetivo? “proclamar
que o Senhor Jesus Cristo é o único Senhor e Rei soberano da República
Federativa do Brasil, por direito de criação e por direito de redenção”. E
também escolher “12.000 sentinelas
[intercessores] para levantar cobertura
espiritual sobre o Brasil que vai eleger novos gestores públicos em âmbito
estadual e federal”, e assim “acelerar,
ocupar e influenciar pessoas, cidades e nações com os valores do governo de
Deus”.
Uma espécie de manifesto explica que “a igreja deve experimentar um avivamento [com] poder de gerar a verdadeira mudança política e cultural na sociedade”.
Ora, sabemos da importância da intercessão – é uma prática que a
Bíblia incentiva. Abraão suplicou por Ló e este escapou da destruição; Moisés
intercedeu por Israel e foi ouvido; Samuel orou constantemente pela nação;
Daniel orou pela libertação do seu povo; Davi suplicou pelo povo; Cristo rogou
por Seus discípulos e fez especial intercessão por Pedro; Paulo é exemplo de
constante intercessão. Mas aqui já vemos a diferença entre o Velho e o Novo
Testamentos: antes, muitas vezes a nação era objeto da intercessão; agora, não.
Deus presentemente trata com indivíduos, e não com nações. Esse tratamento com
as nações será retomado na Tribulação: tanto é verdade que esse período consiste exatamente no julgamento das nações. Não há
intercessão “pelas nações” na Era da Igreja. Começa aí a confusão.
E de onde será que tiraram essa idéia de “12.000 sentinelas”?
Porque não 40 milhões, que é o número (estimado) de cristãos evangélicos do
Brasil? Será que o apelo á intercessão não se aplica a todos os cristãos? Por
que só a uma casta privilegiada e “sacerdotal”? E por que o número “12.000”?
Isso parece mais um apelo à crendice popular e cabalística, um certo
“misticismo” pseudo-cristão que eu chamo de “numerologia
evangélica”.
E mais: onde na Bíblia se encontra uma ordem de Jesus
Cristo, o Cabeça da Igreja, dizendo “Ide,
acelerai, ocupai e influenciai pessoas, cidades e nações com os valores do governo
de Deus”? Onde Ele ensina que precisamos “transformar nações [...] e
gerar mudança política e cultural na sociedade”? Qual é a passagem bíblica
que traz esses ensinamentos?
É sabido que esse pessoal pertence àquela facção da
Cristandade que atende pela pretensiosa denominação de “Nova Reforma
Apostólica” – o que já denota a sua arrogância. Querem se comparar, e até mesmo
superar, a Reforma do século XVI com Lutero, Calvino e outros heróis da fé.
Eles mesmos assumem isto, como você pode constatar aqui neste
link. O que eles pretendem? O que pensam? O que pregam?
Seus principais mentores são C. Peter Wagner e Chuck
Pierce; e outros como Rony Chavez; Ana Mendez; Neuza Itioka; Valnice Milhomens;
Renê Terranova; Cindy Jacobs; John Eckhardt; etc. Você pode procurar depois na Internet. E
talvez fique espantado com a quantidade de seguidores que eles já têm em nosso
país. Geralmente são apoiados por “levitas” como David Quinlan e outros, muitos
outros, que divulgam excrescências como “louvor profético”, “adoração
extravagante”, “dança profética”, “transferência
de gerações” e outras aberrações. Seus ensinos baseiam-se, muitas vezes, em
teorias de administração e marketing, como as de George Barna, Alvin Toffler, Peter Drucker, Peter Senge e Ken Blanchard (como expus aqui
neste link).
Peter Wagner mesmo defende o crescimento exponencial do número
de membros, usando técnicas de network-marketing,
a popular “pirâmide”, como G12, M12 etc. E diz que o “apóstolo moderno” é “espontaneamente reconhecido pelas igrejas”.
E aí sou obrigado a perguntar: quem, dessa lista de “apóstolos modernos”, foi “espontaneamente
reconhecido” pelas igrejas? Na maioria dos casos, eles foram impostos como
tais, devendo a obediência a eles ser adotada por decreto, sob risco de
excomunhão. Interessante é que se trata
de uma “ação entre amigos”: eles mesmos dizem que para ser apóstolo, precisa ser
“ungido” por outro “apóstolo”. Ou seja, fica tudo no mesmo clube. Você duvida?
Diga a algum membro dessas igrejas que você não crê no apostolado de um desses
fulanos, para ver o que acontece. Eu mesmo levantei essa questão antes, neste
link: “será
que existem apóstolos hoje em dia”?
Pode-se então notar claramente que o objetivo não é, como
parece, “interceder pela transformação da
nação” - o que em si é altamente questionável, pois a Bíblia não nos manda
“transformar nações” e sim pregar o Evangelho a pessoas, indivíduos, uma vez
que salvação na presente dispensação é de caráter pessoal e não nacional, o que
eu explico melhor aqui neste
link e neste
outro . O objetivo, na verdade, é participar do governo terreno “em nome
de Deus”, exatamente como defendia Agostinho em sua obra “A Cidade de
Deus”. Agostinho defendia a ideia de que o reino de Deus é exercido pela igreja
na terra. Um equívoco total, fruto de uma visão de mundo muito pessoal. Ele
escreveu isso por volta do ano 400 da era cristã, quando a igreja, então se
transformando de cristã em católica, crescia com o apoio do governo temporal.
Agostinho imaginou então que a igreja poderia governar o mundo por sua
influência no poder político, aliando-se aos reis e magistrados. Daí o costume
medieval de sempre o rei ser coroado pelo bispo ou até mesmo pelo “papa”. Mas
nada disso se aplica à verdadeira Igreja de Cristo.
Os ensinos desses novos “apóstolos” estão levando muitos
evangélicos a pensar que estão preparando a Terra para o reinado de Cristo. Sua
doutrina se traduz, basicamente, nesses pontos:
I) Satanás usurpou o
domínio da Terra através da tentação de Adão e Eva;
II) A Igreja é o
instrumento de Deus para recuperar esse domínio;
III) Jesus não pode voltar, nem voltará, até que a Igreja tenha recuperado o domínio, pelo controle das instituições governamentais e sociais da Terra (leia mais aqui).
III) Jesus não pode voltar, nem voltará, até que a Igreja tenha recuperado o domínio, pelo controle das instituições governamentais e sociais da Terra (leia mais aqui).
Assim, vende-se a idéia de que, entrando (e dominando)
a esfera política, aceleramos a vinda de Cristo para que, quando Ele chegar, o
poder já esteja consolidado nas mãos da igreja, por meio de seus “apóstolos” e –
incrível isso – seus “generais”!
O próprio Chuck Pierce, em suas mensagens
repletas de esoterismo e numerologia, diz que “os cristãos irão realizar sinais e maravilhas, e controlar sete
montanhas de influência cultural – governo, educação, religião, família, artes
e entretenimento, negócios e mídia – para fazer um reino cristão para Jesus
retornar e governar”.
Isso é uma das maiores mentiras do Diabo. A verdade é que, como a
Igreja será arrebatada a qualquer momento, jamais terá destaque na Terra sem a
companhia do Noivo. Enquanto a Igreja de Jesus estiver na Terra, habitando
corpos de carne, jamais alcançará, como Cristo não alcançou, qualquer destaque
entre os homens. Aqui está o engano. Não há nas Escrituras margem para se
crer que a Igreja reinará ou governará na presente era (antes do Arrebatamento).
Pelo contrário! Entretanto, os que não se guiam pelas Escrituras são levados a
crer que estão aperfeiçoando o que Deus projetou. Por isso “nova reforma”,
o “novo de Deus”, um “novo mover”, “novas revelações”, “estabelecer um novo
tempo”! Preste atenção!
Eles pregam a “teologia da substituição”, como os
católicos. Deus teria deixado Israel de lado, por sua incredulidade, e
estabelecido “um novo Israel”, e agora a igreja é a beneficiária das bênçãos
antes prometidas a Israel. Duas consequências graves dessa teoria: o anti-semitismo
(pregado por muitos pastores), já que Israel negou Jesus e merece sofrer
(baseado em Mateus 27:25, “o seu sangue caia
sobre nós e nossos filhos”), e a teologia da prosperidade, que
assume para si as promessas de bens terrenos – que eram para Israel (baseados
em Deuteronômio 30:9; Josué 1:3; Isaías 61:6, etc.).
Os líderes evangélicos, como os “papas” medievais, estão totalmente seduzidos pelo poder
temporal. Fazem de tudo para conquistar a atenção
dos políticos, tentando “influenciar e acelerar” processos de cunho meramente
eleitoreiro. Para se justificar, apelam para Provérbios 29:2 (“Quando os justos governam, alegra-se o povo; mas quando o
ímpio domina, o povo geme”), querendo com isso se auto-proclamar
“justos”. Ou seja, só seremos abençoados se os escolhermos para dirigentes da
nação! Esquecem-se de que o
Brasil já teve presidentes evangélicos, e nem por isso o povo se alegrou...
Vejam esse Silas Malafaia. Primeiro, em 2010
disse que apoiava
Marina, porque ela
seria “evangélica”. Depois, quando ela passou a andar de beijos e abraços
com o notório ex-terrorista Fernando Gabeira e Alfredo Sirkis, no então Partido
Verde, com o “pai-de-santo” Luiz Bassuma e recebeu apoio total e irrestrito do
padre “new-age” Leonardo Boff, voltou atrás e vislumbrou em José Serra a sua
chave para a prosperidade. Não deu certo.
Agora, em 2014, hipotecou seu apoio (e de sua boiada cativa) à candidatura
natimorta do pastor
Everaldo. Mas como ele sabe que não há a mais remota possibilidade de
vitória, declarou que apoiaria
Marina no segundo turno - e a boiada
deveria ir junto. E explicou que o apoio a Everaldo é apenas para lhe ajudar a
ter visibilidade. A menos, é claro (em se tratando de Malafaia, sempre tem um
“senão”) que Marina obedeça a cartilha de seu partido e permaneça a favor do
aborto, da união (casamento) gay e da
liberação das drogas. Aí Malafaia apoiará
Dilma e vai detonar Marina, pois Aécio já afundou. É a famosa “maria-vai-com-as-outras”. Nesse
meio-tempo, ele cansou de malhar o PT, mas levou o candidato do partido ao
governo Rio à sua igreja e até “o apresentou” lá na frente. O
que mudou?
É por essa e por outras que eu repudio todo e qualquer
pastor que queira influenciar seu rebanho, sua congregação, a mídia, seguidores
do Facebook e assemelhados, a votar nesse ou naquele candidato. Por mais
querido e amigo que seja, me desculpe. Já falei mais de uma vez: isto não é “dar
uma opinião” ou “revelar sua opção”, é tráfico de influência! Isso
mesmo, repito, tráfico de influência. Cada um pode e deve ter sua opção,
mas a partir do momento em que você tem uma audiência cativa, se coloca numa
posição de liderança espiritual e autoridade (ainda que questionável) e coloca
essa opção para a galera, está criando um curral eleitoral, doa a quem doer.
Está vendendo a fazenda, como se dizia antigamente, “de porteira fechada”, isto
é, com tudo que está lá dentro. O pastor é candidato? OK, mas então que faça
como os radialistas, saia de licença três meses antes do pleito, pare de pregar
no púlpito, vá fazer campanha da porta do templo para fora, lá na rua. O pastor
gosta desse ou daquele partido? OK, mas nada de levar seus candidatos
preferidos para fazer farol na igreja. O pastor quer arranjar uma boquinha no governo
com a desculpa esfarrapada de “governar em nome de Deus”? Que vá puxar saco lisonjear o candidato lá no gabinete dele;
fazer isso escancaradamente na Internet e na TV só rebaixa o “líder espiritual”
ao nível de aventureiro e interesseiro.
Ainda mais quando esse “líder espiritual” manifesta sua
opção política a cada quatro anos; e pior ainda, quando muda de opinião com as
estações do ano. Quando cisma de “levantar
intercessores para mudar a nação”, para que a nação e o governo sejam de
acordo com o que ele acha. Sinto muito,
mas estou fora desses caras.
Fontes
externas: