Também vimos que, numa igreja aqui bem pertinho de você, estão fazendo cerimônias
estranhas, que mais se assemelham a eventos maçônicos e católicos, tal a
papagaiada que arranjam com vestimentas especiais para os líderes, diáconos e
outros, numa clara demonstração de diferenciação entre o “clero” (“sacerdócio”)
e o povo em geral – os leigos.
Vimos que cada igreja de Apocalipse representa uma fase do Cristianismo. E que,
enquanto as três primeiras não mais existem, elementos característicos das
quatro últimas ainda convivem conosco: Tiatira (igreja católica, medieval, que
estudaremos agora); Sardes (igreja reformada, mas formal, fria,
intelectualizada); Filadélfia (igreja missionária) e Laodicéia.
Pois bem, como falamos antes, Éfeso e Pérgamo enfrentaram o problema do governo,
ou controle, de uma classe sacerdotal, sobre os chamados “leigos”. Mas em Tiatira
há um outro governo, e embora também identificamos ali os nicolaítas, não é
como Laodicéia (a igreja onde o povo manda). Em Tiatira, quem dá as ordens é uma
mulher, identificada como Jezabel.
Quem é essa Jezabel? Seria a mesma Jezabel do tempo do profeta Elias? Ou é outra com o
mesmo nome? Precisamos
primeiro saber quem foi a Jezabel original, pois Jesus está se referindo a alguém com as mesmas características
da rainha má do tempo do profeta Elias.
Alguns
cristãos, quando ouvem o nome “Jezabel”, pensam numa mulher cheia de jóias,
pintada, maquiada, sedutora, atraente. Esta visão minimalista de Jezabel
baseia-se em II Reis
9:30, mas a Bíblia não relata se ela vivia se embelezando. Alguns
estudiosos crêem que Jezabel tenha se pintado e adornado para tentar seduzir
Jeú e assim escapar ao seu destino. A Bíblia também não diz nada sobre
sua beleza, mas possivelmente ela era bonita e atraente, pois o Rei Acabe, um
homem poderoso e que poderia ter muitas mulheres aos seus pés, se apaixonou por
ela e a tornou sua rainha. Outros chegam a afirmar que Jezabel teria sido a
inventora da maquiagem, um absurdo pois a maquiagem já existia milhares de anos
antes.
Uma outra
corrente associa Jezabel a um “espírito” ou
“demônio autoritário”, que tenta exercer domínio e poder; como quando a
esposa manda no marido ou no caso de “pastoras” que assumem o governo de igrejas.
Mas para
destrinchar o mistério de Jezabel e por que ela é mencionada em Apocalipse precisamos
buscar a personagem real, para entender a simbologia. Diz a advertência à
igreja de Tiatira que “tenho contra ti que toleras a mulher Jezabel,
que se diz profetisa; ela ensina e seduz os meus servos a se prostituírem e a
comerem das coisas sacrificadas a ídolos; e dei-lhe tempo para que se
arrependesse; e ela não quer arrepender-se da sua prostituição” (Apocalipse
2:20 e seguintes).
Quem foi
Jezabel? Era filha de um rei chamado de Etbaal (“com Baal”), conf. I Reis
16:31. Segundo Flávio Josefo, Etbaal tomou o trono assassinando o
antecessor, e era sacerdote de Astarte (deusa fenícia da fertilidade, também
conhecida sob os nomes de Aserate ou Astaroth). Registros históricos mencionam
Etbaal como rei de Tiro e Sidom (que formavam a nação dos fenícios, na região
que hoje é o Líbano). O fato de Etbaal ser sacerdote de Baal e Astarte pode ter
influenciado no zelo religioso da filha Jezabel, segundo alguns, tia-avó de
Dido, fundadora de Cartago (citada por Virgílio na “Eneida”). Há quem diga que
o nome “Jezabel” significa “montão de lixo”, mas eu discordo frontalmente dessa
idéia, mesmo não entendendo de línguas antigas.
É simples. Muitos
nomes fenícios terminavam com “bel” ou “bal”, referência ao deus Baal (como os
heróis cartagineses Aníbal – “dádiva de Baal” – e Asdrúbal – “auxílio de Baal”,
ou “Baal é meu ajudador”). Então, “Jezabel”, como nome de princesa, nunca
poderia significar “lixo”, obviamente uma tentativa tosca de associá-la à
impureza. Ou então, como descobri em um site
de “batalha espiritual”, “o nome
Jezabel significa ‘sem coabitação’... um espírito que se move de um lugar para
outro, de uma geração para outra”. É óbvio que isso é forçar a barra.
Na verdade, “Jezabel”
se assemelha muito a “Isabel” (no hebraico, “Izebel”, casta, pura), a forma
reduzida de “Elizabeth” (no hebraico Elishebba, “dedicada a Deus” ou, segundos
alguns, “Deus é meu juramento”). Portanto é bem possível que “Jezabel” seja
“dedicada a Baal”, o que explicaria o seu zelo. Mas a tradução mais coerente
que encontrei foi esta: “Yez-Baal,
Baal é exaltado”.
A união de
Acabe e Jezabel ratificou uma aliança entre Tiro e Israel, pela qual Onri (pai de
Acabe) se fortaleceu (I Reis 16:16-28). Determinada e independente, Jezabel não
tinha escrúpulos para conquistar os seus objetivos, como no episódio da vinha
de Nabote (I Reis cap. 21). Quando o profeta Elias soube do acontecido, profetizou
uma morte terrível para a rainha.
Mas até esse
dia chegar, Jezabel seguiu causando danos, tanto para o reino de Israel, como
para Judá (21:1-29), pois sob sua influência, o rei e o povo foram atraídos
para Baal (16:31-33). A rainha não apenas adorava os seus deuses, mas combatia
Jeová. Para isso, recorreu ao tesouro público para sustentar 450 profetas (ou
sacerdotes) de Baal e mais 400 da deusa Aserate (a mesma Astarote dos
filisteus, e Ishtar para os babilônios), que cultuavam nos bosques e comiam à sua
mesa (18:19). Jezabel também construiu um templo a Baal, anexo ao palácio real.
Como se sabe, as religiões semíticas envolviam não apenas práticas sexuais (ritos
de fertilidade), mas também sacrifício de crianças (Jeremias 19:5), uma abominação
para os israelitas fiéis a Jeová.
É possível que a
imoralidade que caracterizava esses cultos (II Reis 9:22) seja um dos motivos
da referência a Jezabel em
Apocalipse. A vida impudica
de Jezabel, que se deduz desse versículo, associou o seu nome, para sempre, à
imoralidade e à prostituição, tolerância ao pecado, etc. É com esse sentido e
também pelo ocultismo e falsos ensinos que Jezabel é citada em Apocalipse. Por ter sido sedutora e sem escrúpulos, todos aqueles que são
maliciosos, astuciosos, vingativos e cruéis se espelham nela. Como Faraó, foi perseguidora
dos santos de Deus: os sacerdotes e profetas israelitas que não foram
eliminados por ela, fugiram (I Reis 18:4 e 19:2).
Sua morte
está em II Reis 9:30-37. Acabe
reinou 22 anos, de 874 a
853 a .C.,
e morreu em batalha. Seu
filho (e de Jezabel) Jorão, sucedeu Ocozias, filho mais velho que reinou apenas
dois anos (853-852) e morreu de um acidente banal, uma queda da sacada (II Reis 1:2, 16, 17). Jorão reinou 12 anos e foi morto por Jeú em 841 a .C., provável data da
morte de Jezabel e no mesmo dia em que morreu seu neto Ocozias II, então rei de Judá (filho de Atalia). Quando a rainha soube que Jeú se aproximava do palácio, pintou os
olhos e adornou a cabeça, desafiando Jeú da janela, mas por ordem dele foi
atirada lá de cima e morreu na queda. Seu corpo ficou abandonado por algum
tempo, sendo devorado por cães, cumprindo a profecia de Elias. Jeú ordenou que
ela fosse sepultada, pois se tratava da filha de um rei. Mas os servos do
palácio apenas encontraram o seu crânio, os pés e as mãos. Não
há consenso se ela queria seduzir Jeú ou apenas morrer de maneira “digna”. O
que é real e concreto é que, sete anos após sua morte, sua linhagem estava praticamente extinta; apenas Joás sobreviveu, graças a uma tia que o havia escondido.
Jezabel causou inúmeros
prejuízos a Israel como nação, à sua família e por fim, a si mesma. Sua filha Atalia a imitou em crueldade. Dada em
casamento a Jorão, rei de Judá, com a intenção de promover união entre Israel e
Judá, seu filho Ocozias II foi morto no mesmo dia em que morreu sua mãe
Jezabel. Quando soube da morte do filho, e vendo que Jezabel era morta, Atalia
mandou matar todos os descendentes da família real, inclusive seus netos, e
governou Judá sozinha durante seis anos (842-837
a .C.). Não se perca no meio dessa mortandade toda numa só família, até mesmo porque os nomes são parecidos. A Bíblia diz que Judá somente teve paz depois que
Atalia morreu à espada, no seu próprio palácio. Só então, com o fim de Jezabel
e a extinção de sua linhagem, o povo começou a retornar ao culto de Jeová (o único sobrevivente, Joás, filho de Ocozias II que fora escondido pela tia, mais tarde se tornou um bom rei).
Entretanto, a separação dos reinos do Sul e do Norte se aprofundou nessa época. O isolamento de Samaria levou a profundas divisões e antipatias que vararam séculos. No tempo de Jesus, os judeus (como passaram a se chamar os do reino do Sul, Judá) e os samaritanos do Norte não se bicavam.
Entretanto, a separação dos reinos do Sul e do Norte se aprofundou nessa época. O isolamento de Samaria levou a profundas divisões e antipatias que vararam séculos. No tempo de Jesus, os judeus (como passaram a se chamar os do reino do Sul, Judá) e os samaritanos do Norte não se bicavam.
Agora que já
sabemos quem foi a Jezabel histórica, teremos
condições de analisar melhor a Jezabel profética, que aparece em Apocalipse
como sendo “profetisa” na igreja de Tiatira.
Mas só na próxima semana.
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Curiosidade: encontrado anel pertencente a Jezabel
A análise que confirmou a associação da
rainha com o sinete, feito de opala e repleto de desenhos e inscrições, foi
feita por Marjo Korpel, especialista da Universidade de Utrecht. O objeto é
muito maior que os outros da mesma época e possui símbolos associados à realeza
e ao sexo feminino: uma esfinge com coroa, serpentes e falcões. A tradução das
inscrições revela claramente as letras [l’]
yzbl. Jezabel e seu marido Acabe reinaram numa época em que o antigo reino
israelita estava dividido em duas partes rivais: Judá, no sul, cuja capital era
Jerusalém e cujo povo deu origem aos atuais judeus; e Israel, no norte, onde o
casal governava e a capital era Samaria. O sinete parece mostrar que a rainha
de fato era muito influente: ele era usado para ratificar documentos, o que
significa que ela podia "despachar" por conta própria em seu
palácio. (Fonte)
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