sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Ofertas alçadas e primícias

Isto é para a Igreja?
Eu achava bacana bandeiras de vários países penduradas algumas igrejas, como uma alusão a missões e o cumprimento do “Ide” (Marcos 16:15). Algumas têm só a bandeira de Israel, às vezes ao lado da do Brasil. A bandeira talvez represente amor e reverência à nação escolhida por Deus para, por meio dela, trazer a salvação à Humanidade; quem sabe até uma espécie de “troca” com Deus, pois Ele disse a Abraão: “Abençoarei aos que te abençoarem, e amaldiçoarei àquele que te amaldiçoar” (Gênesis 12:3); então é bom negócio estar do lado de Israel, pensam. Só depois percebi a “judaização” que vem tomando conta do cristianismo evangélico tupiniquim, e até já escrevi algo sobre isso. Há controvérsias... mas é fato que muitos acabam retrocedendo na fé, ao adotar práticas judaicas (muitas delas, não nem mesmo os judeus atuais seguem). E isto vai além do uso dos elementos judaicos no culto. Engraçado é que tem alguns que até pretendem denunciar a “judaização evangélica”, mas seguem aceitando dízimo do povo...
Já falamos muito sobre o dízimo, uma prática que – doa a quem doer – pertence à lei mosaica. Mas existem também uns caras-de-pau que pedem ofertas “de primícias”, “alçadas” e outras, todas retiradas adivinha de onde? Acertou, da lei mosaica. Alguns são tão “espertos” que procuram confundir o povo, dizendo, por exemplo, que Isaque era as primícias de Abraão e que o patriarca o ofereceu a Deus (veja ao lado)... nada mais absurdo. Para começar, o primeiro filho de Abraão era Ismael, e não Isaque, e depois que essa história nada tem aver com oferta de primícias, que só veio com a Lei séculos depois. Então vejamos se essa é apenas mais uma das doutrinas dos “comerciantes da fé” ou se é, de fato, uma prática legítima da Igreja.
“Primícias” tem um significado de “princípio” ou de “parte inicial” de algo. O que é pregado hoje é que Deus exige as primícias de nossos bens materiais. A tática para arrancar dinheiro é diferente de quando o tema é o dízimo. Aqui não se lê Malaquias 3:8-10. Não.
Uma das bases para essa doutrina é que, através das primícias, o discípulo honra o líder e ganha o respeito de Deus, uma vez que está “liberando o sacerdote” para cuidar das coisas de Deus, sem se preocupar com coisas “elementares”, como seu sustento e o de sua família. Usam Ezequiel 44:30: “E as primícias de todos os primeiros frutos de tudo, e toda a oblação de tudo, de todas as vossas oblações, serão dos sacerdotes; também as primeiras das vossas massas dareis ao sacerdote, para que faça repousar a bênção sobre a tua casa”. Ora, se verificarmos direitinho, vemos que os sacerdotes eram figuras de Cristo, mas hoje nós temos um único sacerdote no sentido original do termo, que é Jesus (Hebreus 5:6; e os caps. 7 e 8). Assim, se há alguém ainda digno de receber as primícias, este se chama Jesus Cristo.
Pedro afirma: “sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (I Pedro 2:9). Tudo em nós pertence a Ele, pois somos sua propriedade exclusiva. Também somos todos sacerdotes e não há qualquer menção que indique entrega de primícias de um sacerdote a outro.
Jesus modificou a vida religiosa do Antigo Testamento quando afirmou: “Vós, porém, não queirais ser chamados Rabi; porque um só é o vosso Mestre, e todos vós sois irmãos. E a ninguém sobre a terra chameis vosso pai; porque um só é o vosso Pai, aquele que está nos céus. Nem queirais ser chamados guias; porque um só é o vosso Guia, que é o Cristo. Mas o maior dentre vós há de ser vosso servo. Qualquer, pois, que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e qualquer que a si mesmo se humilhar, será exaltado” (Mateus 23:8-12). E “chamou-os para junto de si e lhes disse: Sabeis que os governadores dos gentios os dominam, e os seus grandes exercem autoridade sobre eles. Não será assim entre vós; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será vosso servo; assim como o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir, e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mateus 20:26-28).
Dessa forma, somos todos sacerdotes e irmãos, nosso Mestre, nosso Guia e nosso Senhor é um só, Jesus Cristo, e somente Ele é digno de ser honrado, não apenas com primícias, mas com tudo o que temos e somos eternamente. Nada de “honrar o líder com primícias”!
No “culto das primícias”, usam Provérbios 3:9,10 para incentivar os fiéis a “abrirem o bolso”. A idéia é que se deve entregar o equivalente a um dia de trabalho, ou seja, quem ganha R$ 1.000 por mês, leva cerca de R$ 33, dinheiro que em alguns lugares é dado para o pastor. O argumento é que devemos repartir nossos bens com aquele que nos instrui (Gálatas 6:6). 
O resultado disso? Enriquecimento dos líderes e uma busca desenfreada de se tornar líder também e ter o direito de ser “honrado com primícias”.
No dicionário, “repartir” é: “fazer em partes, dando a cada pessoa o que, por direito ou justiça, lhe pertence”. Pois bem, imagine uma igreja com 500 pessoas que recebem na média R$ 1.000 ao mês. Se cada uma der R$ 33 (o valor das “primícias”), o pastor ficará com R$ 16.500, enquanto os fiéis teriam que sobreviver com R$ 967 (sem contar os dízimos e as “N” ofertas pedidas). 
Mas o “repartir” ensinado por Paulo tinha outros objetivos: para que ninguém tivesse necessidade de nada (Atos 11:29; 24:17 e Romanos 15:26); e que os irmãos vivessem em igualdade. Na igreja hipotética do parágrafo anterior, se cada um contribuir com R$ 5 para o sustento de seu líder religioso (o que não faria falta a ninguém), haverá um pagamento digno a ele (estando de acordo com I Timóteo 5:17-18).
E a “dupla honra”, citada na carta a Timóteo, é um reconhecimento por parte dos irmãos e não uma imposição. Se foi Deus quem colocou uma pessoa para trabalhar em Sua obra, não tem por que esse indivíduo temer ou cobrar o seu sustento, pois o Senhor sempre cuida dos Seus. Porém, se está à frente de um rebanho devido à amizade ou parentesco com este ou aquele, terá que tomar cuidado para não passar fome mesmo, pois Deus não trabalha dessa forma.
E oferta alçada? Dizem por aí que além do dízimo devemos dar também “ofertas alçadas”, que seriam “mais valiosas” que o dízimo, pois “alçada” significa “mais alta”, “mais importante”, “mais significativa”.  Nada mais longe da verdade.
“Oferta alçada”, para começo de conversa, podia ser a parte de um animal sacrificado, no contexto dos rituais e cerimônias da lei. Números 29 fala que na Festa dos Tabernáculos, parte dos sacrifícios era para os sacerdotes, como “oferta alçada” (v. 27-28). Fica aqui então a idéia de, quando o pastor pedir sua “oferta alçada” ou de primícias, você pode trazer para ele o peito de uma novilha ou uma coxa de carneiro; assim estará seguindo à risca o mandamento. Mas só se você for judeu e seu pastor descendente da tribo de Levi, senão é abominação ao Senhor.
Em Números 18:26 lemos: Disse mais o Senhor a Moisés: Também falarás aos levitas, e lhes dirás: Quando dos filhos de Israel receberdes os dízimos, que deles vos tenho dado por herança, então desses dízimos fareis ao Senhor uma oferta alçada, o dízimo dos dízimos”. Nos versos 28 e 29 Deus manda Moisés dizer aos levitas: “Assim também oferecereis ao SENHOR uma oferta alçada de todos os vossos dízimos, que receberdes dos filhos de Israel, e deles dareis a oferta alçada do SENHOR a Arão, o sacerdote. De todas as vossas dádivas oferecereis toda a oferta alçada do SENHOR; de tudo o melhor deles, a sua santa parte”.
Isto é claro: a oferta alçada é um “dízimo do dízimo”, isto é, 10% do que o levita recebia (que era 10% da renda do povo). Então era ofertada apenas por quem era beneficiário do dízimo: levitas, sacerdotes, e os pobres, viúvas, necessitados em geral, para que não houvesse “entre ti pobre algum (pois o Senhor certamente te abençoará na terra que o Senhor teu Deus te dá por herança, para a possuíres)” (Levítico 25:35; Deuteronômio 15:4,7,11; 24:14,15 etc.).
Nesse caso, a “oferta da viúva” em Marcos 12:41-44 foi até mais que uma “oferta alçada” (e não dízimo, como querem alguns). Ela não deu 10% da sua renda, mas sim todo o seu sustento, que possivelmente teria recebido por ser viúva e pobre. Jesus a elogiou porque ela foi além dos fariseus: não deu 10% (o que caracterizaria como dízimo, e mesmo assim se o dízimo fosse aceito em dinheiro; nunca seria “oferta alçada” ou dízimo do dízimo), mas deu tudo que possuía. É esse o exemplo que fica para a Igreja, quando Jesus diz a seus seguidores que “Pois eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mateus 5:20).
Isso não quer dizer que devemos dar o dízimo e também oferta alçada, de primícia, de amor, de sacrifício e o que mais inventarem; mas sim que devemos ter em mente que somos apenas mordomos, e que tudo que “temos” de fato pertence a Ele. Por isso não devemos lamentar o ato de ofertar, pois estamos apenas entregando a Ele o que já Lhe pertence. Não precisamos ser admoestados todo domingo a dar dízimo, oferta disso e daquilo. Não. Já temos consciência de que a “obra de Deus” não é a construção do templo, nem a colocação de cadeiras estofadas e ar condicionado, uma nova aparelhagem de som, ou roupas para o ministério de dança. Não. A obra de Deus é outra coisa, sobre a qual falaremos em outra ocasião.
Alguns chegam a criar subdivisões das “ofertas alçadas” (neste link), citando Êxodo 35-36 (quando os israelitas dão tanta oferta que Moisés teve que pedir para pararem). Você verá que, propositalmente, eles dizem que essa oferta é obrigatória. Mas o texto é claro – a oferta, mesmo “alçada”, era voluntária: “Tomai de entre vós uma oferta para o Senhor; cada um cujo coração é voluntariamente disposto a trará por oferta alçada ao Senhor: ouro, prata e bronze” (Êxodo 25:2 e 35:5), enquanto o dízimo era obrigatório e determinado exatamente de quanto deveria ser: 10%, e sobre isto não resta dúvida.
Neemias 10:37-39 relata que quando os levitas recebessem os dízimos, trariam os dízimos dos dízimos (ofertas alçadas) à casa do tesouro. Já falamos antes, aqui, sobre a Casa do Tesouro e explicamos que isto não existe mais; na Igreja cristã não há Casa do Tesouro, doa a quem doer. Já falamos também sobre o que aconteceu quando os sacerdotes receberam os dízimos do povo e não os entregaram na Casa do Tesouro, para que houvesse mantimento para os levitas; ou então, quando entregavam, não davam o melhor, mas o refugo. Você pode ler sobre isso em Malaquias 1:8,13-14: é Deus falando aos sacerdotes...
Uma pausa para meditação: No livro de Malaquias 3:8, o Senhor alerta: Roubará o homem a Deus? Todavia, vós me roubais e dizeis: Em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas.
Observe: segundo a lei, quem recebia dízimos e ofertas alçadas, senão os sacerdotes  e levitas? Os ladrões aqui não são os que “deixam de doar”, mas justamente os que recebem os dízimos e as ofertas alçadas. Medite e tire a sua própria conclusão.