Israel é um paradoxo – uma nação sob cerco, e ao
mesmo tempo com um movimento turístico tão intenso que se pode dizer que o país
inteiro é uma estação de veraneio. A paz é uma esperança – mas não para já.
Em 1969 estive duas vezes em Israel para ver com
meus olhos como um país consegue viver sob tais condições. É fácil, mesmo antes
de chegar lá, apaixonar-se pela idéia de que Israel, após tantas trevas, tenha
o seu lugar ao sol, o mesmo lugar onde ele começou há milhares de anos.
Mas ninguém se engane. Nada em Israel é fácil. O
primeiro israelense com quem falei em um kibutz
recebeu-me com uma atitude agressiva. “Você não gosta de americanos?”,
perguntei. “Que países você admira?”, insisti. “Quando é tempo de guerra”,
respondeu-me calmamente, “sempre estamos sozinhos”.
Fiquei sem resposta. O presidente americano
Dwight Eisenhower prometera a Israel que os Estados Unidos manteriam o estreito
de Tiran aberto (n.e.:
extremidade sul do golfo de Áqaba, um linha de comunicação de Israel com o Mar
Vermelho);
mas antes da Guerra dos Seis Dias (1967) o Egito o fechou e os americanos não
fizeram nada. Em 1948, a Grã-Bretanha fez tudo para negar armas aos
israelenses; depois, quando os árabes atacaram, ficou só olhando. As armas
francesas eram praticamente as únicas que Israel tinha na Guerra de 1956, mas
os franceses ficaram ao lado dos árabes, e em 1969 venderam 100 caças à Libia.
A Rússia nem se fala. Nem mesmo com a ONU, que deu origem ao Estado de Israel, os
israelenses podem contar.
Por isso os israelenses são pragmáticos, e não
têm tempo para frivolidades. Não poderia ser diferente, pois vivem num país
cercado por mais de 60 milhões de árabes e
cuja população local de 2.850.000 pessoas inclui mais de 350.000 árabes! (n.e.: dados de 1970, quando este artigo foi escrito)
Quando da Guerra dos Seis Dias, poucos
ocidentais estavam do lado dos árabes, mas isso mudou com a vitória de Israel.
O oprimido passou a ser visto como opressor. O que era antes um punhado de
bravos soldados passou a ser visto como uma impiedosa máquina de guerra. A TV,
que antes mostrava multidões de fanáticos gritando “Morte a Israel” agora
mostra miseráveis em campos de refugiados, mulheres famintas, crianças
chorando. E terroristas árabes são glorificados em seus campos de instrução,
enquanto os ataques de Israel a eles são energicamente condenados. Encontrou-se
uma nova classificação para os israelenses: “nazistas”.
Assim, os israelenses sentem-se cada vez mais
abandonados. E quem pode censurá-los? Afinal, eles são o mesmo povo que, com
milhares de soldados árabes à sua mercê, não apenas não fuzilou nenhum, como os
soltou (n.e.: além de devolver aos derrotados as terras conquistadas!). Clique aqui para ver o mapa ao lado, em tamanho maior.
Qual é o lado árabe hoje? Para descobrir,
hospedei-me em um hotel árabe em Jerusalém, tomei um guia árabe e entrevistei centenas
deles. Logo descobri que o árabe mediano tem duas opiniões: uma pública e uma
particular. Seus líderes têm apenas uma preocupação: provar que eles são mais “anti-Israel”
do que qualquer um – essa é a face pública. O árabe precisa em todas as
oportunidades condenar Israel e tudo que os israelenses fazem. Senão é
suspeito.
Diga por exemplo que a terra destinada pela ONU a Israel é menos de
meio por cento de todo o mundo árabe, e pergunte se os árabes não ficariam
satisfeitos com os outros 99,5% (clique aqui para ver o mapa ao lado em tamanho maior). Não, ele responderá; Israel roubou a sua
terra. E ainda acrescentará que seus ancestrais viveram ali por mais de mil
anos. Mas se você perguntar se os judeus não têm mais direitos, porque viveram
ali desde os tempos bíblicos, 3500 anos atrás, ele negará abruptamente.
Se alguém é judeu pela religião, para o árabe
ele pode viver como cidadão num Estado árabe, praticando sua religião, se este
é o seu Estado natal. Mas se for judeu americano, europeu ou africano, aí é
considerado intruso.
Mas se você perguntar se os judeus, expulsos de
suas casas na II Guerra, ficarão sem ter para onde ir, o árabe ficará
indignado: ele dirá que o anti-semitismo não é uma doença do Oriente Médio, mas
ocidental. O Ocidente a criou, e não deve querer acabar com ela às custas dos
árabes. Clique aqui para ver a imagem ao lado ampliada.
Particularmente, porém, os árabes mostram
opiniões diferentes. Lojistas, lavradores, até policiais, dizem que árabes e
judeus não apenas precisam encontrar um meio de viver em harmonia, mas já
descobriram como: “Nós somos o povo e as crianças”, disse-me um comerciante
árabe, “não somos as nações e os líderes. Não queremos guerra, queremos paz”.
Descobri que em 1948 havia 56 escolas árabes em
Israel, hoje (1970) mais de 500. Em 1948, menos de 4% das mulheres árabes dava
à luz em hospitais; hoje são mais de 80%. Em 1948 nem uma só vila árabe tinha
luz elétrica; hoje mais de 70% dos árabes em Israel a têm, e não está longe o
dia em que esse serviço chegará a todos os lugarejos. Em 1948 cerca de 2.000
acres de terras árabes tinham irrigação; hoje não existe praticamente nenhum
lugar que não a tenha.
Antes de ir a Israel eu pensava muito em campos
de refugiados, multidões de presos atrás de arame farpado. Pois não vi nada
disso. Os “refugiados” podem ir e vir – inclusive para outro país árabe. O
problema é que os outros árabes não os querem. Querem que eles fiquem onde
estão e como estão – para que possam denunciar “a desumanidade dos israelenses”.
Enquanto isso os árabes continuam ensinando seus
filhos a odiar. O ministro da Educação da Síria orgulhava-se de seu lema: “o
ódio é sagrado”. Um livro escolar pede às crianças sírias que analisem
gramaticalmente a frase: “Expulsaremos todos os judeus das terras árabes”, e no
ensino médio isso vai além: “Estrangulemos Israel, acabemos com suas ambições e
os lancemos no mar”.
- estão tão fortes na Jordânia que podem tomar o
poder a qualquer hora;
- fomentar outra guerra logo que possível;
- e então Israel ocupará o território árabe até
ser encurralado [pelas outras nações], com o conflito degenerando em uma guerra
mundial onde será destruído.
Dizer a eles que os árabes também serão destruídos
nessa guerra não causa nenhuma impressão neles. Dizem que os árabes começarão
tudo de novo, e que Israel não poderá fazer isso.
Durante minha estada, não encontrei um só
israelense que achasse que a paz pudesse vir logo, no ano que vem ou mesmo
nesta geração. Mas a maioria encara filosoficamente o longo caminho a percorrer.
“Veja por este ângulo”, disse meu guia, “em seu país as fronteiras estão
garantidas, mas as cidades não; aqui pe o contrário”.
Conheci um israelense filosófico, Yehuda Avni.
Ele lutou na Guerra dos Seis Dias, e como quase todo israelense sadio, serve
uma vez por ano no Exército, embora não admita que Israel seja um país
militarizado. “Há muita gente fardada por aí”, disse-me ele. “Os militares são
muito ligados a nós. Todo soldado que morre tem o retrato no jornal, e
geralmente o conhecemos, ou a sua família, ou um amigo; Israel é um país
pequeno. Mas o Exército é um exército de paisanos”.
No fim de minha visita, fui a uma fazenda de
onde se avistava a Jordânia, onde falei com um famoso herói de Israel, Meir
Har-Zion. Perguntei-lhe se haveria paz. “Nos próximos vinte anos, não. Algum
dia, sim”, foi a resposta.
Por fim, tive o prazer de viajar com Micha Bar-Am,
fotógrafo famoso que participou de três guerras. Fomos a um restaurante árabe e
fiquei admirado de vê-lo abraçar o proprietário. “Tenho muitos amigos árabes”,
explicou-me. “Bons amigos, sinceros. Essa relação entre pessoas sempre houve; o
que atrapalha é a política”.
Perguntei-lhe se não se irritava com a falta de
sentido de tudo isso. Sua resposta foi esta: “às vezes sim. Um amigo morreu num
atentado há pouco tempo. Fiquei muito abalado e por isso procurei um velho
israelense, muito sensato, e perguntei-lhe se isso devia continuar. Sabe o que
ele me disse? Que pelo menos sabemos por que morremos. Seis milhões de nós
morreram sem motivo algum”.
Artigo escrito em junho de 1970, por Cleveland
Amory, jornalista americano, para Seleções do Reader’s Digest, edição
brasileira nº 341.
532.380