quarta-feira, 25 de julho de 2012

Contradições da Bíblia? (2)

Sempre que vejo certos argumentos usados para desacreditar a fé cristã, o cristianismo bíblico e a própria Bíblia em si, enquanto Palavra inspirada de Deus, me dá vontade de rir. Os mesmos que dizem ser a Bíblia uma coleção de mitos de povos semi-civilizados, ou que afirmam ser ela fruto da mente de homens maliciosos, tentando dominar os demais alegando serem profetas, esses mesmos demonstram tanto desconhecimento acerca do objeto de seu ódio, que dá até pena.
Um idiota chamado José Francisco Botelho escreveu as seguintes asneiras na revista “Superinteressante”:
Em algum lugar do Oriente Médio, por volta do século 10 a.C., uma pessoa decidiu escrever um livro. Pegou uma pena, nanquim e folhas de papiro (uma planta importada do Egito) e começou a contar uma história mágica, diferente de tudo o que já havia sido escrito. Era tão forte, mas tão forte, que virou uma obsessão. Durante os 1000 anos seguintes, outras pessoas continuariam reescrevendo, rasurando e compilando aquele texto, que viria a se tornar o maior best-seller de todos os tempos: a Bíblia.
Com esse texto extremamente preconceituoso (sim, é pré-conceito, um conceito emitido antes de conhecer o objeto), ele tenta, obviamente, desqualificar a Bíblia enquanto Palavra inspirada, reduzindo-a a um amontoado de escritos aleatórios e manipulados, alterados a cada reedição. Nada mais distante da verdade, como veremos.
Esse pessoal bate na manjada tecla da manipulação. Como aquela turma que lê um livro de sucesso momentâneo, tipo “O Código da Vinci” (ou pior, só vêem o filme), e saem soltando pérolas como “é tudo manipulado”, “Constantino escreveu a Bíblia”, “a igreja escondeu livros que divulgavam ensinos contrários” (como o quê? Que Maria Madalena casou com Jesus?), e que “muitos outros evangelhos que mostram Jesus diferente foram destruídos”.
Aliás, por falar em Maria Madalena, sempre se referem a ela como prostituta. Mas de fato em nenhuma parte da Bíblia é dito que Maria Madalena era prostituta. Na verdade, ela quase não é mencionada na Bíblia. Com exceção de sua presença na ressurreição, a única outra coisa que a Bíblia diz sobre ela é que foi possuída por sete demônios e que, junto com outras mulheres, seguia Jesus. “Evangelho de Madalena”? Conta outra, essa é fraca.
Quanto a destruir “evangelhos”, que a igreja católica combateu as heresias de forma às vezes até excessivamente violenta eu não escondo, pelo contrário. Tenho mostrado direto aqui esse e outros erros do catolicismo. Mas quem afirma as bobagens acima parece não saber que a influência dos imperadores nos assuntos religiosos era ínfima. 
Lembrando – no inicio do quarto século, havia dois imperadores, Constantino e Licinio; e a corrente cristã apoiada por eles (ariana) foi considerada herética pelo Concílio de Nicéia. Entretanto Constantino não retirou o seu apoio aos “hereges”, o que lhe valeu a oposição de muitos bispos, entre eles Atanásio de Alexandria, cujo papel no combate à política pró-ariana de Constâncio II (filho e sucessor de Constantino) foi notória na história eclesiástica do século IV.
Também dizer que o imperador é que decidiu que livros deveriam entrar na Bíblia e quais não, como forma de dominar os cristãos, é outra idiotice. Sabemos que Constantino foi imperador romano e que ostentou, mesmo após a conversão ao Cristianismo, o título de “Pontifex Maximus” pagão, visto que não aboliu os cultos pagãos. Mas disto concluir que ele presidiu concílios e até foi “papa” já é demais! Eu sempre afirmo que, por mais que se discuta se o Edito de Milão (que aboliu as perseguições aos cristãos) marca o inicio da união entre Igreja e Estado, é fato que a partir dali a Igreja Cristã se transforma em igreja católica, com todas as suas mazelas que já são notórias. Fato é que o líder católico adotou o título de “Pontifex Maximus”. Mas desqualificar a Bíblia por causa da suposta influência de Constantino na formação do cânone é um despropósito fenomenal. Constantino não só não definiu o cânone do Novo Testamento no primeiro Concílio de Nicéia (no ano 325) como esse Concílio nem ao menos mencionou a constituição da Bíblia. Isto já estava resolvido há muito tempo, conforme atesta Eusébio de Cesaréia na sua “História Eclesiástica”, IV:25 (aliás, a lista dos livros sagrados relacionada por Eusébio não tem os apócrifos). E além do mais, Constantino não tinha nem poder de voto no Concílio - ele compareceu apenas como observador.
“Ah, mas a igreja destruiu livros que poderiam mudar a história do cristianismo”. Dizem que durante o Concílio de Nicéia “foram destruídos centenas [sic] de evangelhos e outras centenas sumiram, incluindo os ‘Manuscritos do Mar Morto’ e os evangelhos de Judas, Maria Madalena e Tomé, [dentre outros]; durante esse Concílio foi criado o mito da divindade de Jesus... foram selecionados quatro evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João) entre cerca de 400... esses evangelhos mostram um Jesus mais divino, já os que foram queimados e sumiram mostravam um Jesus mais humano ou sequer citavam o nome dele. Constantino e sua fingida conversão ao cristianismo criaram uma das maiores farsas da história, a divindade de Jesus”...
Santa ignorância, Batman! A discussão que houve sobre “a divindade” foi, na verdade, sobre a “essência” divina, quando os pais da Igreja teorizaram sobre se Jesus possuía a mesma essência (homoousious) do Pai ou se era semelhante (homoiousious). Não se questionou, em nenhum momento, se Jesus era divino ou não.  Uma polêmica, de resto, bastante metafísica, que não dá para explanar aqui – como também foram as discussões sobre se Maria era mãe de Deus ou apenas do Homem Jesus (isto é, o de Seu corpo carnal), e se o Espírito Santo fazia parte da Divindade. Isso foi necessário para formar o corpo doutrinário do cristianismo, pois não era possível deixar tudo “ao Deus dará”. Desse concílio emergiu o “Credo Apostólico”, uma confissão de fé que resume a crença cristã. Outras coisas foram discutidas, como a data da Páscoa, e nada disso ocorreu de forma leviana como sugere o pseudo-jornalista acima. Os debates duravam meses, teses eram apresentadas, esmiuçadas e por fim, dependendo da sua densidade  e consistência teológicas, eram aceitas ou não; mas o assunto da formação da Bíblia não foi mencionado pelo menos até o ano 397. A inclusão dos apócrifos foi assunto que continuou em discussão por séculos.
Mas para isso não foi preciso “destruir” os “outros evangelhos”. Foi verificado que esses “outros evangelhos” não eram realmente inspirados como os quatro “escolhidos”; basta ver as bobagens que eles contêm, e que já vinham sido combatidos desde o tempo dos primeiros apóstolos. Veja II Coríntios 11:4 e Gálatas 1:6, ambos escritas no ano 58 d.C., onde já se adverte acerca do “outro Cristo” que andava sendo pregado na época. Provavelmente era um “gezuz” genérico, quase igual, mas diferente do original, talvez mais místico, gnóstico. Talvez cheio de “sabedoria oculta”, ou até mesmo com influências orientais, estóicas ou platônicas, quem sabe? Ou até “mais humano”, como o de Saramago e o de Kazantzakis. Em todo caso, era um “falso cristo”. E isso continuou, tanto que décadas mais tarde, outro apóstolo fazia o mesmo alerta. I João 2:18 e II João 7, para ficarmos só nesses exemplos.
Mas nem mesmo os chamados livros apócrifos foram destruídos! Tanto não foram que sempre foram conhecidos, e até foram incorporados oficialmente à Bíblia católica no concílio de Trento, de pirraça, diga-se, porque a Reforma Protestante seguia o cânone já consagrado e não os manteve nas diversas edições baseadas nos textos originais. Então, os apócrifos não foram “destruídos”, apenas não entraram na lista canônica. Convenhamos, um “evangelho” que mostra Jesus criando passarinhos de barro, não tem nada a ver, tinha que ser excluído mesmo... já basta Deus criar  o homem a partir do barro. Jesus fazendo passarinho já é demais. Podiam até escrever livros e mais livros sobre a infância de Jesus, etc., mas daí a terem o mesmo grau de inspiração divina que os evangelhos originais, é outra conversa. Leia João 21:25, e depois, João 20:31 e 31 – aqui está a razão pela qual alguns livros estão na Bíblia e outros não!
E os Manuscritos do Mar Morto não foram destruídos por Constantino; afinal, acabaram descobertos 1700 anos DEPOIS de Constantino, nas cavernas de Qumram.
É tanta bobagem, é tanto argumento sem fundamento, é tanto palpite preconceituoso, como a péssima matéria do seu Zé Botelho na tal revista desinteressante, que eu vou parar por aqui, por absoluta falta de espaço.
Eu vi uma vez a exposição “Pergaminhos do Mar Morto”.
Foi montada uma sala com objetos e utensílios da época, que é “a sala do escriba”: tem a escrivaninha, e em cima dela, um tinteiro de pedra com a pena dentro. É emocionante imaginar que João e os outros apóstolos provavelmente estiveram em lugares como esse, e usaram instrumentos bem semelhantes, para nos transmitir a Palavra de Deus. Não se trata de, como escreveu o infeliz articulista, de alguém que cismou de escrever coisas como se fosse Deus. Não. Nenhum homem, por mais esperto que fosse, seria capaz de escrever sobre coisas que só aconteceriam milhares de anos depois. Ninguém poderia acertar tantos fatos, como por exemplo, a primeira vinda de Cristo, que se cumpriu nos mínimos detalhes. Clique e veja.
Ainda mais emocionante é você ler a tradução dos documentos e ver que os Salmos e os Profetas têm exatamente a mesma redação que a nossa Bíblia. Não há diferença! É fascinante você ver aqueles documentos, alguns com mais de 2000 anos, ali na sua frente, com o mesmo texto que você encontra em qualquer Bíblia! Onde está a manipulação, onde estão as “alterações”?
“Erros” ou “alterações”? Não acredito. É o método massorético usado nos manuscritos originais que preservava o texto, letra por letra. Leia aqui sobre isso. De mais a mais, aqueles que ainda ousam duvidar da autoria dos escritos bíblicos, poderiam pelo menos se dar ao trabalho de procurar trechos em o próprio apóstolo ressalta: “Eu mesmo escrevi, de próprio punho; fui eu mesmo”. Veja como exemplo João 21:24I Coríntios 16:21; Colossenses 4:18; II Tessalonicenses 3:17; Filemom 19.
Então, não acredito na teoria do acréscimo ou da manipulação... pode haver algumas diferenças mais de cunho lingüístico - não sei porque não é a minha área principal - mas o sentido é exatamente o mesmo. Por exemplo, a Bíblia católica, baseada na Vulgata, traz "geena" e a protestante, baseada na Septuaginta, traz “inferno” mesmo, embora "hades" (termo grego) também servisse, em lugar do hebraico "sheol". Mas se formos olhar bem o significado do termo, o lugar "geena" era uma espécie de lixão, um vale em Jerusalém onde queimavam entulho, carcaças de animais etc, e ali o fogo era constantemente alimentado. A ilustração de Jesus, “onde o fogo não apaga” (Marcos 9:43-48), é perfeita. Há "geena" numa tradução e “inferno’ na outra. Mas o sentido é o mesmo. O que falta a certos críticos é uma coisa chamada hermenêutica.
E não. A Bíblia não é a palavra do homem, doa a quem doer.

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