sábado, 27 de abril de 2013

Eu sou um fariseu

Desde que fiz a matéria sobre o silêncio profético, fiquei com uma pulga atrás da orelha. Vimos ali que no período inter-testamentário surgiram os fariseus, os saduceus, os herodianos, os essênios, os macabeus, os zelotes, os escribas e “doutores da lei”. Fiz um apelo a que cada um de nós se olhasse no espelho e procurasse saber com que tipo de gente se identifica. Fiz a minha parte. Olhei no espelho. E descobri: eu sou um fariseu.

Sou fariseu quando me escondo atrás da ortodoxia – que tem seu lado bom porque te dá uma base onde você pode se firmar. Mas sou fariseu quando me firmo na ortodoxia fria, dura, a “letra que mata”. A ortodoxia que está mais próxima da lei do que da graça. Uma ortodoxia que acaba servindo de parede, uma parede branqueada (Atos 23:3) com cal, a mesma cal que é usada para fazer de um túmulo caiado uma verdadeira maravilha arquitetônica (Mateus 23:27), daquelas que causam admiração nas pessoas que passeiam pelo cemitério. “Olha só que túmulo bonito”!
Sou fariseu porque na aparência, na sociedade, posso ser visto como uma pessoa legal, um cara bacana, que conversa e escuta, mas que quando olha para dentro de si só vê um cadáver putrefato, um zumbi, um morto-vivo que se recusa a ser crucificado e insiste em se levantar da cova e andar por aí, empesteando tudo e todos com cheiro de morte. Uma criatura disforme que contamina tudo, que não faz nada certo, nem andar anda direito. Um zumbi que deveria ter o destino daqueles dos filmes, levar um tiro de escopeta na cabeça para assim parar de perturbar os vivos.
Sou fariseu porque, como aqueles do tempo de Jesus, não matei ninguém fisicamente, mas diante de Deus estou sentado ao lado de Bola e Macarrão, acusado de homicídio culposo (como dizem os repórteres, “quando há intenção de matar”). No fundo, eu bem que gostaria de ver algumas pessoas pulverizadas, tipo aqueles chatos do trabalho que vivem sem fazer nada, só me passando o serviço que deveriam fazer. Sempre sobra para mim. Quando desejo que o prédio onde trabalho pegue fogo e torre todos os diretores da firma, que não me promovem de cargo, mas dão aumento de salário a seus amigos incompetentes. Aquele chefe que um dia me sacaneou, bem que podia acontecer um acidente de avião quando ele for a Miami pela décima vez gastar o seu gordo salário, enquanto eu me viro aqui para pagar as contas do mês. Aquele taxista que me fechou no trânsito, bem que podia passar um caminhão por cima dele na próxima esquina. O torcedor do outro time? A arquibancada podia desabar em cima deles todos. Podia dar um curto circuito naquele barzinho que toca música até de madrugada e não me deixa ver televisão em paz.
Viro membro honorário do Sinédrio quando canto aquela música “eu te amo meu irmão, somos um no amor do Senhor” só da boca para fora, pois durante a semana toda detestei todos aqueles que discordam da minha linha doutrinária, e fiz da palavra “raca” (Mateus 5:22) o meu mantra.
Sou fariseu sim, como aqueles a quem Jesus repreendeu, porque se não adulterei fisicamente, deixei meus olhos passearem pelo corpo da mulher que passava na calçada. Ou na praia. Ou na novela. Ou na fila do banco. Ou no shopping. Ou na internet. Ou na igreja. É, na igreja. As irmãzinhas bem que podiam ajudar e usar roupas mais decentes, mas... talvez também sejam fariséias (será que é assim o feminino de fariseu?)...
O farisaísmo cresce quando falo em alto e bom som que o problema do país é a corrupção, mas peço a Deus para ninguém me oferecer propina, pois na situação em que andam as finanças, provavelmente eu aceitaria...
Sou fariseu quando denuncio deputados por esconderem dinheiro na cueca, mas só porque não fui convidado. Se eu tivesse recebido um punhado de dólares (ou euros), talvez não falasse tanto que isso tudo é um absurdo.
Eu desço o bambu nos deputados cristãos que mudam de partido a cada eleição, demonstrando não ter nenhuma ideologia ou linha política. Mas talvez porque eu não tenha recebido nem um voto sequer, nenhum partido me convidou para a sua bancada, e não consigo me eleger nem como síndico.
Sou fariseu porque detesto  cantores “gospel” que só fazem ganhar dinheiro vendendo suas musiquinhas melosas para milhões cantarem todo domingo nas igrejas, para jogadores do momento pedirem para tocar no Fantástico, para irem no Faustão, no Raul Gil e no Ratinho, e tocar na trilha da novela. Só para vender CD, DVD, camiseta, sutiã e calcinha com a foto estampada do “levita”... mas fico irado porque não fui eu que descobri essa mina de ouro antes! Talvez, se eu estivesse com meu CD nas paradas de sucesso, tocando sem parar nas rádios piratas evangélicas, com meu nome tatuado nos pulsos das mocinhas histéricas pedindo meu autógrafo, “bombando” no Facebook e no Youtube, convidado para o Caldeirão do Huck e a Ilha de Caras, não estivesse tão preocupado com a qualidade bíblica das letras. Diria, provavelmente, que “temos que ter liberdade na adoração” e que “precisamos manter o jovem na igreja”. Poderia até dar um dízimo maior - claro que para “tuitar” logo em seguida. Eu seria fariseu do mesmo jeito. Só que mais rico.
Sou fariseu, como aquela turma que Jesus malhou quando disse que não deveriam se esquecer da justiça, da misericórdia e da fé (Mateus 23:23), pois sob o pretexto de moralizar os outros, desço a madeira nos que ainda não têm conhecimento. Quando deixo de ter misericórdia daqueles que ainda estão no erro e no engano, que ainda não tiveram tempo de aprender o que a misericórdia de Deus me concedeu. Misericórdia que só é boa quando é para mim. Para os outros, o rigor da lei.
Sou fariseu quando vou à frente levar uma oferta para todos verem, em vez de praticar a misericórdia para com os verdadeiros necessitados, e nem mesmo me lembro de buscar a reconciliação com aqueles com quem tenho discórdia e pendências – e que não são poucos (Mateus 5:23, 24).
Sou um fariseu daqueles graúdos quando me orgulho de saber de cor e salteado uma montanha de versículos, mas na hora de aplicar à vida diária finjo que não é comigo e que quando foram escritos o contexto era outro. No grego e no hebraico isso quer dizer outra coisa. Isso era específico para aqueles  para quem a epístola foi escrita, lá no primeiro século. Não é para nós hoje. Não se aplica aos nossos dias. É da outra dispensação.

A minha sorte é que alguns fariseus acusaram o golpe.

Ainda bem que, como alguns fariseus, percebi que quando Jesus dizia certas parábolas, era deles que Ele falava (Mateus 21:45). Quando Ele falou todas essas coisas, era para mim que Ele estava olhando.
Nicodemos foi alcançado por essa ventura, ao ouvir do próprio Jesus que tudo aquilo que ele achava saber não valia nada, e que era necessário nascer de novo. O velho fariseu precisava morrer – e ficar morto. O sepulcro caiado precisava ser selado e lacrado, para o defunto não se levantar. Isso é que é importante: “importa-vos nascer de novo”. Preciso aprender e viver que para nascer de novo é preciso morrer antes, uma morte de cruz. Como diz Tozer, 
“a cruz sempre cumpre sua finalidade destruindo um padrão estabelecido, o da vítima, e criando outro padrão, o seu próprio. Assim, as coisas sempre saem como ela quer. Ela vence ao derrotar seu oponente e impor sua vontade sobre ele. A cruz sempre domina. Nunca entra em acordos, nunca faz trocas nem concessões, nunca cede um ponto a favor da paz. Ela não se importa com a paz; importa-se apenas em terminar mais rapidamente possível a oposição contra ela.
A cruz não somente trouxe um fim à vida de Cristo, mas também à primeira vida, a vida velha, de cada um dos seus verdadeiros seguidores. A cruz destrói o padrão antigo, o padrão de Adão, na vida do crente e o traz a um fim. Então, o Deus que ressuscitou Cristo dos mortos, ressuscita o crente, e uma nova vida começa. Isso, e nada menos, é o verdadeiro cristianismo. Em relação à cruz, só podemos fazer uma de duas coisas - fugir dela, ou morrer nela”
Acho que Nicodemos entendeu, morreu e nasceu de novo. E se isso aconteceu com ele, eu, como também sou fariseu, também posso passar por isso.
Marcos 15:43 e Lucas 23:50 dizem que outro fariseu, membro importante do Sinédrio, esperava o reino de Deus” e era “discípulo de Jesus”. Ainda posso ser como José de Arimatéia, ao discernir que as Escrituras que ele amava estavam se cumprindo ali, diante de seus olhos.
Minha esperança é ser como aquele outro fariseu, que se orgulhava de sua ortodoxia, de seu currículo, até de seus antigos mestres. Era “o cara”, tanto que um dia caiu do cavalo - nos sentidos literal e figurado - e teve seus olhos abertos por Jesus. Daí para a frente se tornou outra pessoa. Mudou até de nome, de Saulo para Paulo.
Peço a Deus que um dia possa ser como esses, ex-fariseus, descer do pedestal e dizer como o publicano: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador”.

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