Desde que
fiz a matéria sobre o silêncio profético, fiquei com uma pulga atrás da orelha.
Vimos ali que no período inter-testamentário surgiram os fariseus, os saduceus,
os herodianos, os essênios, os macabeus, os zelotes, os escribas e “doutores da
lei”. Fiz um apelo a que cada um de nós se olhasse no espelho e procurasse
saber com que tipo de gente se identifica. Fiz a minha parte. Olhei no espelho. E descobri: eu
sou um fariseu.
Sou
fariseu quando me escondo atrás da ortodoxia – que tem seu lado bom porque te
dá uma base onde você pode se firmar. Mas sou fariseu quando me firmo na
ortodoxia fria, dura, a “letra que mata”. A ortodoxia que está mais próxima da
lei do que da graça. Uma ortodoxia que acaba servindo de parede, uma parede
branqueada (Atos 23:3) com cal, a mesma cal que é usada para fazer de um túmulo
caiado uma verdadeira maravilha arquitetônica (Mateus 23:27), daquelas que
causam admiração nas pessoas que passeiam pelo cemitério. “Olha só que túmulo
bonito”!
Sou
fariseu porque na aparência, na sociedade, posso ser visto como uma pessoa
legal, um cara bacana, que conversa e escuta, mas que quando olha para dentro de
si só vê um cadáver putrefato, um zumbi, um morto-vivo que se recusa a ser
crucificado e insiste em se levantar da cova e andar por aí, empesteando tudo e
todos com cheiro de morte. Uma criatura disforme que contamina tudo, que não
faz nada certo, nem andar anda direito. Um zumbi que deveria ter o destino
daqueles dos filmes, levar um tiro de escopeta na cabeça para assim parar de
perturbar os vivos.
Sou
fariseu porque, como aqueles do tempo de Jesus, não matei ninguém fisicamente,
mas diante de Deus estou sentado ao lado de Bola e Macarrão, acusado de homicídio
culposo (como dizem os repórteres, “quando há intenção de matar”). No fundo, eu
bem que gostaria de ver algumas pessoas pulverizadas, tipo aqueles chatos do
trabalho que vivem sem fazer nada, só me passando o serviço que deveriam fazer.
Sempre sobra para mim. Quando desejo que o prédio onde trabalho pegue fogo e
torre todos os diretores da firma, que não me promovem de cargo, mas dão
aumento de salário a seus amigos incompetentes. Aquele chefe que um dia me
sacaneou, bem que podia acontecer um acidente de avião quando ele for a Miami
pela décima vez gastar o seu gordo salário, enquanto eu me viro aqui para pagar as contas do mês. Aquele taxista que me fechou no trânsito, bem que podia passar
um caminhão por cima dele na próxima esquina. O torcedor do outro time? A
arquibancada podia desabar em cima deles todos. Podia dar um curto circuito
naquele barzinho que toca música até de madrugada e não me deixa ver televisão
em paz.
Viro
membro honorário do Sinédrio quando canto aquela música “eu te amo meu irmão,
somos um no amor do Senhor” só da boca para fora, pois durante a semana toda detestei
todos aqueles que discordam da minha linha doutrinária, e fiz da palavra “raca”
(Mateus 5:22) o meu mantra.
Sou
fariseu sim, como aqueles a quem Jesus repreendeu, porque se não adulterei
fisicamente, deixei meus olhos passearem pelo corpo da mulher que passava na
calçada. Ou na praia. Ou na novela. Ou na fila do banco. Ou no shopping. Ou na
internet. Ou na igreja. É, na igreja. As irmãzinhas bem que podiam ajudar e
usar roupas mais decentes, mas... talvez também sejam fariséias (será que é
assim o feminino de fariseu?)...
O
farisaísmo cresce quando falo em alto e bom som que o problema do país é a
corrupção, mas peço a Deus para ninguém me oferecer propina, pois na situação
em que andam as finanças, provavelmente eu aceitaria...
Sou
fariseu quando denuncio deputados por esconderem dinheiro na cueca, mas só
porque não fui convidado. Se eu tivesse recebido um punhado de dólares (ou
euros), talvez não falasse tanto que isso tudo é um absurdo.
Eu desço
o bambu nos deputados cristãos que mudam de partido a cada eleição,
demonstrando não ter nenhuma ideologia ou linha política. Mas talvez porque eu não
tenha recebido nem um voto sequer, nenhum partido me convidou para a sua
bancada, e não consigo me eleger nem como síndico.
Sou
fariseu porque detesto cantores “gospel”
que só fazem ganhar dinheiro vendendo suas musiquinhas melosas para milhões
cantarem todo domingo nas igrejas, para jogadores do momento pedirem para tocar
no Fantástico, para irem no Faustão, no Raul Gil e no Ratinho, e tocar na
trilha da novela. Só para vender CD, DVD, camiseta, sutiã e calcinha com a foto
estampada do “levita”... mas fico irado porque não fui eu que descobri essa
mina de ouro antes! Talvez, se eu estivesse com meu CD nas paradas de sucesso,
tocando sem parar nas rádios piratas evangélicas, com meu nome tatuado nos
pulsos das mocinhas histéricas pedindo meu autógrafo, “bombando” no Facebook e
no Youtube, convidado para o Caldeirão do Huck e a Ilha de Caras, não estivesse
tão preocupado com a qualidade bíblica das letras. Diria, provavelmente, que
“temos que ter liberdade na adoração” e que “precisamos manter o jovem na
igreja”. Poderia até dar um dízimo maior - claro que para “tuitar” logo em seguida. Eu seria
fariseu do mesmo jeito. Só que mais rico.
Sou
fariseu, como aquela turma que Jesus malhou quando disse que não deveriam se
esquecer da justiça, da misericórdia e da fé (Mateus 23:23), pois sob o
pretexto de moralizar os outros, desço a madeira nos que ainda não têm
conhecimento. Quando deixo de ter misericórdia daqueles que ainda estão no erro
e no engano, que ainda não tiveram tempo de aprender o que a misericórdia de
Deus me concedeu. Misericórdia que só é boa quando é para mim. Para os outros,
o rigor da lei.
Sou
fariseu quando vou à frente levar uma oferta para todos verem, em vez de
praticar a misericórdia para com os verdadeiros necessitados, e nem mesmo me
lembro de buscar a reconciliação com aqueles com quem tenho discórdia e
pendências – e que não são poucos (Mateus 5:23, 24).
Sou um
fariseu daqueles graúdos quando me orgulho de saber de cor e salteado uma
montanha de versículos, mas na hora de aplicar à vida diária finjo que não é
comigo e que quando foram escritos o contexto era outro. No grego e no hebraico
isso quer dizer outra coisa. Isso era específico para aqueles para quem a epístola foi escrita, lá no primeiro século. Não é para nós hoje. Não se aplica aos nossos dias. É
da outra dispensação.
A minha
sorte é que alguns fariseus acusaram o golpe.
Ainda bem
que, como alguns fariseus, percebi que quando Jesus dizia certas parábolas, era
deles que Ele falava (Mateus 21:45). Quando Ele falou todas essas coisas, era
para mim que Ele estava olhando.
Nicodemos
foi alcançado por essa ventura, ao ouvir do próprio Jesus que tudo aquilo que
ele achava saber não valia nada, e que era necessário nascer de novo. O velho
fariseu precisava morrer – e ficar morto. O sepulcro caiado precisava ser
selado e lacrado, para o defunto não se levantar. Isso é que é importante:
“importa-vos nascer de novo”. Preciso aprender e viver que para nascer de novo
é preciso morrer antes, uma morte de cruz. Como diz Tozer,
“a cruz sempre
cumpre sua finalidade destruindo um padrão estabelecido, o da vítima, e criando
outro padrão, o seu próprio. Assim, as coisas sempre saem como ela quer. Ela
vence ao derrotar seu oponente e impor sua vontade sobre ele. A cruz sempre
domina. Nunca entra em acordos, nunca faz trocas nem concessões, nunca cede um
ponto a favor da paz. Ela não se importa com a paz; importa-se apenas em
terminar mais rapidamente possível a oposição contra ela.
A cruz não somente trouxe um fim à vida de Cristo, mas também à primeira vida, a vida velha, de cada um dos seus verdadeiros seguidores. A cruz destrói o padrão antigo, o padrão de Adão, na vida do crente e o traz a um fim. Então, o Deus que ressuscitou Cristo dos mortos, ressuscita o crente, e uma nova vida começa. Isso, e nada menos, é o verdadeiro cristianismo. Em relação à cruz, só podemos fazer uma de duas coisas - fugir dela, ou morrer nela”.
A cruz não somente trouxe um fim à vida de Cristo, mas também à primeira vida, a vida velha, de cada um dos seus verdadeiros seguidores. A cruz destrói o padrão antigo, o padrão de Adão, na vida do crente e o traz a um fim. Então, o Deus que ressuscitou Cristo dos mortos, ressuscita o crente, e uma nova vida começa. Isso, e nada menos, é o verdadeiro cristianismo. Em relação à cruz, só podemos fazer uma de duas coisas - fugir dela, ou morrer nela”.
Acho que
Nicodemos entendeu, morreu e nasceu de novo. E se isso aconteceu com ele, eu,
como também sou fariseu, também posso passar por isso.
Marcos
15:43 e Lucas 23:50 dizem que outro fariseu, membro importante do Sinédrio, “esperava o reino de Deus” e era “discípulo de Jesus”. Ainda posso ser como José
de Arimatéia, ao discernir que as Escrituras que ele amava estavam se cumprindo
ali, diante de seus olhos.
Minha
esperança é ser como aquele outro fariseu, que se orgulhava de sua ortodoxia, de
seu currículo, até de seus antigos mestres. Era “o cara”, tanto que um dia caiu
do cavalo - nos sentidos literal e figurado - e teve seus olhos abertos por Jesus. Daí para a frente se tornou
outra pessoa. Mudou até de nome, de Saulo para Paulo.
Peço a
Deus que um dia possa ser como esses, ex-fariseus, descer do pedestal e dizer
como o publicano: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, que sou
pecador”.
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