Mas algumas outras coisas,
não. Acho que
as diferenças entre nós e eles se explicam com as tais “novas revelações”, “nova unção”, o “novo de Deus” e bobagens do tipo. Algumas
nem são mais tão novas assim. Quando apareceram sim, eram novidades. E que com o tempo foram
se cristalizando e hoje soam como se fossem verdades definitivas. Muitos
acreditam tanto nessas falácias que acabam por defender com unhas e dentes o
que acreditam ser “verdadeiro”. Dizem que a sua denominação ou facção da
cristandade é a responsável por guardar e manter os ensinamentos originais, mas
se pensassem e estudassem um pouco mais veriam que o que acreditam ser a
realidade só parece ser legítimo porque está na área há algum tempo. Parece... mas não é.
Nem sempre foi assim. Tudo ia bem, até que, em certo
momento, recebemos uma “nova revelação”. Por exemplo, o que Jesus disse - que não haveria
entre nós uns maiores do que os outros (Marcos 10:43) - deixou de ser verdade. A
assembléia dos santos crescia tanto que precisávamos adotar uma hierarquia, e
transformamos os dons e ministérios - pastores, bispos, diáconos, presbíteros - em cargos honorários. Agora, quem recebe esses títulos, passa a ter autoridade
sobre os demais.
Não
contentes com
os dons nomeados na Bíblia, e não contentes em transformá-los em cargos, ainda
criamos outros: arcebispos, cardeais, patriarcas, papas. Agora sim, contornamos
o problema que Jesus e os apóstolos deixaram sem resolver. Talvez eles não
pensassem que a Igreja cresceria tanto!
Também
resolvemos, a
certa altura, que apesar de Jesus ter dito que cumpriu toda a Lei (Mateus 5:17),
e de isso ter ficado claro quando o véu do Templo se rasgou (Mateus 27:51;
Marcos 15: 38; Lucas 23:45) e a carta aos Hebreus ter explicado tudo tintim por
tintim (8:13), a Lei não podia ser abandonada assim,
sem mais nem menos. Afinal, era servira durante tanto tempo! Seria um desrespeito. Aí voltamos a adotar os costumes abolidos pelos apóstolos. Reabilitamos o sábado. Voltamos a cobrar o dízimo, mas como não vivemos de plantação e criação de animais, cobramosem
dinheiro. Ou no cartão. Aproveitamos e incluímos no cardápio as primícias,
ofertas alçadas, o “princípio da semeadura”...
sem mais nem menos. Afinal, era servira durante tanto tempo! Seria um desrespeito. Aí voltamos a adotar os costumes abolidos pelos apóstolos. Reabilitamos o sábado. Voltamos a cobrar o dízimo, mas como não vivemos de plantação e criação de animais, cobramos
Revitalizamos a figura do sacerdote, mesmo que
o Novo Testamento esteja cheio de afirmações de que todos somos uma raça
eleita, um sacerdócio real (I Pedro 2:5,9), e que não precisamos de
intermediários (I Timóteo 2:5; Hebreus 8:6; 9:15; 12:24). Mas, como nem todos
têm as mesmas habilidades na oratória, instituímos um sacerdote profissional,
pago por nós, para nos dizer o que gostamos de ouvir. Caso contrário, nós o
demitimos e contratamos outro.
Alguns
cristãos
foram ainda mais criativos, criaram um tipo de sacerdote tão exclusivo que nem
família pode ter: esses são proibidos de casar e de ter bens que possam
administrar. Tudo bem que Paulo disse que quem governa a Igreja deveria ser casado e
administrar bem a sua casa (I Timóteo 3:4, 12), mas isso foi antes de
descobrirmos um jeito melhor de conduzir as coisas.
Fizemos várias reuniões e resolvemos que, embora Jesus tenha dito que quem cresse e fosse batizado seria salvo (Marcos 16:16), agora é assim: batizamos primeiro. Quem for batizado é que será salvo, independentemente de crer ou não, e até mesmo se não tiver capacidade para crer, como bebês recém-nascidos. A gente os batiza, depois eles confirmam. Por isso criamos a “confirmação”.
Fizemos várias reuniões e resolvemos que, embora Jesus tenha dito que quem cresse e fosse batizado seria salvo (Marcos 16:16), agora é assim: batizamos primeiro. Quem for batizado é que será salvo, independentemente de crer ou não, e até mesmo se não tiver capacidade para crer, como bebês recém-nascidos. A gente os batiza, depois eles confirmam. Por isso criamos a “confirmação”.
Um
passarinho nos contou que só crer não basta, é muito fácil. A pessoa tem que passar uma
temporada num lugar que não sabemos bem ao certo, mas que chamamos pelo belo
nome de “Purgatório”. Já que o Sangue de Jesus não é suficiente, ao contrário
do que disse o apóstolo João (I João 1:7), que andou com Ele, determinamos que a
purificação tem que ser pelo fogo. Enquanto o coitado fica lá assando em
banho-maria, vamos aqui rezando por ele, a partir do sétimo dia de sua morte,
depois um mês, um ano e por aí vai.
Também
achamos por
bem dar uma força ao finado, para que ele não se perdesse. Providenciamos umas
velas para iluminar o caminho do falecido. Todo mundo tem que fazer isso, senão
a alma fica penando por aí. Isto não tem na Bíblia, então nós, que somos muito
criativos, dizemos que quem não faz isso está fora da comunhão.
E por
falar em Maria,
mesmo que não haja nada disso nas Escrituras, espalhamos que ela só poderia ter
concebido o Salvador se também tivesse nascido sem pecado. E já que resolvemos
isso, também tivemos que criar a história de que ela não poderia ficar enterrada,
deveria também ser levada aos céus. Ah, e também a sua casa.
Tivemos uma nova visão: ressuscitar os levitas, mesmo que Paulo tenha
dito que entre nós, cristãos, não devia haver nem judeu nem gentio (Romanos
10:12; I Coríntios 1:24; 12:13; Gálatas 3:28; Colossenses 3:11). E junto com os
levitas, trouxemos de volta o shofar,
um objeto tão abençoado que não sabemos como os cristãos primitivos o deixaram
de lado. De quebra, por que não usar também o tallit,
o kippah, o menorah e a arca da aliança, mesmo que seja de papelão coberto com celofane dourado? Nessa a gente pode tocar à vontade, e assim não corremos o risco de morrer como Uzá (II Samuel 6:7). Aproveitamos o embalo e agora estamos dizendo que até mezuzah é para o cristão ter em casa.
o kippah, o menorah e a arca da aliança, mesmo que seja de papelão coberto com celofane dourado? Nessa a gente pode tocar à vontade, e assim não corremos o risco de morrer como Uzá (II Samuel 6:7). Aproveitamos o embalo e agora estamos dizendo que até mezuzah é para o cristão ter em casa.
Ganhamos uma nova
unção, a de
ungir a tudo e a todos, embora Tiago 5:15 seja claro quanto a quem deve ungir,
quem deve ser ungido e como. Mas o “novo de Deus” inclui ungir carros, sapatos,
carteira de dinheiro, e até algumas partes do corpo dos varões e das varoas...
Descobrimos que Deus tinha que voltar a
habitar em templos feitos por mãos humanas, nos esquecendo de Atos 7:48 e 17:24. Aproveitamos um texto fora do
contexto, onde Jesus disse “a minha casa será chamada casa de oração” (Marcos 11:17), para
justificar essa idéia, que no fundo é uma ótima desculpa para arrecadarmos
dinheiro “para a manutenção da casa de Deus”. Também serve para dizermos que “a
casa do Tesouro” é a tesouraria da igreja/templo. E até damos um bônus à
platéia, comprando em longas prestações um sistema de ar-condicionado, bancos
estofados e vidros coloridos para as janelas. Claro, se continuássemos a nos
reunir nas casas, nas praças e em outros lugares nada disso seria necessário,
mas aí seria muito sem graça. Em casa não tem palco! Não tem jogo de luzes nem
som de última geração!
E já que demos um
reboot no
sacerdote, nos patriarcas, no shofar,
no tallit, no kippah, no menorah, na mezuzah, nos
levitas e na arca da aliança, porque não reerguer o próprio templo “de
Salomão”, a glória de Israel? Mesmo que seja uma cópia do templo de Herodes, o
assassino... mas é bacana, não é mesmo? Assim faremos um templo muito maior e
mais moderno do que outros grupos de cristãos, que também compartilham da
crença de que sem templo não há Deus, e por isso fizeram templos enormes,
espalhados por toda a terra...
Para
não cairmos
na mesma armadilha que nossos irmãos do passado, que foram perseguidos,
encarcerados, usados como tochas e até comidos por leões, começamos a
determinar vitória, declarar que “o Brasil é de Jesus”, fazer passeatas e
manifestações. Para extirpar o mal, não fazemos o que os apóstolos fizeram, que
foi pregar o Evangelho, fazer discípulos e plantar igrejas. Não, isso não
funciona mais. Recebemos a revelação de que devemos fazer atos proféticos:
rodear as cidades, derramar vinho, azeite, água, farinha de trigo, pétalas de
rosas, caroço de feijão, como os pajés, maçons e macumbeiros (sem preconceito,
viu? somos politicamente corretos). Isso sim há de funcionar! Despacho gospel nas encruzilhadas e praias. A cidade assim há de se render (não sabemos
bem a quem, mas que vai se render, isso vai). Assim nós declaramos!
Não
aceitamos ser
perseguidos como nos dias de Nero! Por isso criamos blogs, montamos comunidades no Orkut, organizamos “tuitaços”, espalhamos mensagens pelo Facebook, fazemos correntes por e-mail. Mandamos cartas aos deputados,
criamos uma frente parlamentar. Fundamos partidos, disputamos eleições, negociamos apoio a candidatos de todo tipo; fazemos caravanas para pressionar (pelo menos pensamos que pressionamos) emissoras de TV; reivindicamos cargos no governo, fazemos jantares em nossas mansões e cultos em nossas igrejas em homenagem a políticos,
pois assim cremos que vamos obter o que queremos. Fazemos acordo com a mídia. Que bobos aqueles cristãos de
Roma, não usaram nenhuma dessas estratégias! É verdade que até agora o nosso
esforço não deu em nada, mas temos fé que assim transformaremos a nação! Bem.. talvez não tanto como eles transformaram o mundo daquela época, mas eles tinham mais tempo do que nós. Opa, espera aí que meu celular está chamando e eu preciso atualizar meu perfil.
...
...
Eu vi
mais um monte
de diferenças entre o que aqueles cristãos primitivos e simplórios praticavam,
como viviam, sobre o que pregavam - e o que hoje praticamos, vivemos e pregamos, nós, que somos pessoas cultas, modernas, sofisticadas. Tecnológicas.
Integradas. Politicamente corretas. Com responsabilidade sócio-ambiental. Pós-graduadas. Ecológicas. Sustentáveis. Com empregabilidade. Dizimistas fiéis.
E
resolvi que
gostaria de ter nascido há dois mil anos atrás. Mesmo com o risco de ir parar
no Coliseu, acho que era melhor.
Mas como
não tem jeito,
quero que Deus me ajude a pelo menos imitar aqueles irmãos de séculos passados.
Afinal, eles escreveram: “Sejam meus
imitadores” (I Coríntios 4:16 e 11:1; Filipenses 3:17; I
Tessalonicenses 1:6; II Tessalonicenses 3:7,9; Hebreus 6:12).
220.560