sexta-feira, 16 de julho de 2010

Os líderes evangélicos e a mídia conservadora


Durante um tempo, fiquei com uma dúvida. Pensei em escrever sobre a hediondez de que é capaz o ser humano afastado de Deus, como no caso terrível do jogador Bruno. Mas os meios de comunicação já exploraram ao máximo esse triste episódio. Pois o ex-goleiro do Atlético Mineiro e Flamengo diz que é evangélico, e pelo menos um pastor de BH confirmou que ele quase foi batizado em sua igreja, conhecida na cidade como a “igreja dos jogadores”.  
Hoje em dia é fácil ser evangélico. Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro se dizem evangélicos. Vão a cultos e "dão testemunho". Até o Charles Henriquepédia disse que é evangélico, embora também invoque “as armas de Jorge” para se proteger (Charles é uma figuraça que apareceu no programa “Pânico na TV” para substituir Zina, aquele que toda hora falava “Ronaldo!”, e que depois se envolveu com drogas e polícia. Assim como era feito com Zina, o programa explora o lado ridículo de Charles, que sabe tudo das “celebridades” e quando as novelas foram ao ar. Ah, e as “armas de Jorge” são a proteção que os umbandistas pedem a “são” Jorge, o “santo guerreiro”). Pode um negócio desses? Mas esse assunto já está ficando batido demais, e resolvi dar um tempo. Até mesmo para não receber de novo as mesmas mensagens sem fundamento: “não devemos julgar”, e assemelhadas, emitidas por quem se esquece de que a Bíblia manda, sim, julgarmos e exortarmos aqueles que não se comportam de acordo com ela.
Note bem, não de acordo com nosso senso do que é certo e errado, mas de acordo com a Bíblia. Assim, depois de receber mundos de e-mails pedindo para não votar em tal e qual deputado, outros dizendo que se eleita Dilma Roussef seria presa em Nova York, incluindo montagens com a sua ficha policial, fiquei me perguntando se as pessoas que divulgam essas notícias têm consciência do que estão fazendo, ao repercutir certos valores que muitas vezes não conhecem.
Então resolvi fazer esta postagem política.
É sabido que certos veículos de comunicação exercem grande influência junto à população em geral. A TV, por exemplo. O Brasil é um dos países onde há o maior número de aparelhos
instalados. Há mais TVs do que geladeiras. Também não há dúvidas de que a principal emissora do país, em termos de audiência, é a TV Globo.
O que nem todos sabem – ou pelo menos fingem não saber – é que a TV Globo foi, desde sempre, é e sempre será, uma porta-voz das classes superiores da sociedade brasileira. E como tal, irá, sempre, agir a favor dos interesses dessas classes. Foi assim quando ela se posicionou claramente a favor de Fernando Collor e contra Lula, violando um dos princípios básicos do jornalismo, que é a neutralidade – conceito por si discutível, mas ao editar o famoso debate entre os candidatos, assumiu de vez a manipulação dos fatos a favor de uma das partes. Para quem não sabe, ou esqueceu, basta procurar no Youtube a versão original e a editada.
A TV Globo ignorou por completo a épica campanha pelas eleições diretas para presidente da república. Não saía nada nos telejornais, e nem uma linha no O Globo. É como se não tivessem existido as multidões de 200.ooo pessoas, em média, que compareciam a cada comício, nas principais cidades do país. Até aqui, nenhuma novidade. O que estranha é a tentativa de se apresentar como neutra.
Já a revista Veja atribui as enchentes do início deste ano, em São Paulo, governado pelo PSDB/DEM, à natureza. No Rio, o desastre é culpa do governo do PMDB, aliado ao governo federal (clique aqui para ver).
E eis que acontece em São Paulo um certo “Fórum Democracia e Liberdade de Expressão”, o qual reuniu, em 1º de março, a tropa de elite do jornalismo nacional para “debater ameaças” à liberdade de imprensa. Compareceram, dentre outros, Roberto Civita, dono do grupo Abril (leia-se “Veja”), Otavio Frias (Folha de S. Paulo), Demetrio Magnolli (Época e Folha), Arnaldo Jabor, William Waack, Carlos Alberto Sardenberg (todos da Globo) e outros luminares de mesma estirpe. Ora, o que se viu, ao custo de R$500 o ingresso, foi a edição de uma cartilha conservadora e de uma pauta para cobrir as próximas eleições. Todos contra Lula e o governo, em prol de Serra e do conservadorismo, assim como foi em 2006. É o chamado “pensamento único” em relação a temas como privatizações, flexibilização de direitos trabalhistas, desregulamentação do mercado etc. 
E agora o que vemos é a romaria sistemática de candidatos às igrejas, em busca do lucrativo filão evangélico. Há que se desconfiar, em primeiro lugar, dos líderes que cedem o púlpito a candidatos. Serra já foi multado pelo TSE por ter comparecido a um congresso dos Gideões, e consta inclusive que depositou uma generosa oferta no gazofilácio - o que lhe gerou um processo no TSE. Obviamente, há coisas que foram ditas a tais líderes que só virão a público no juízo final. Eles não irão compartilhar com suas ovelhas seus acordos!
Em segundo lugar, há que se desconfiar da própria ideologia política de tais “líderes evangélicos”, se é que a têm. Porque são como ondas do mar, levados para onde o vento sopra. Há pouco tempo atrás, Lula era a encarnação do capeta. 
Diziam que se o PT ganhasse, iria fechar igrejas, perseguir os crentes e confiscar seus bens. Oito anos depois, as igrejas vão de vento em popa. As que foram fechadas, o foram por conta própria: deixaram templos desabar em cima de fiéis, morreu gente, etc. E vão dizer que é perseguição. E muitos desses “líderes” que demonizaram Lula agora recebem a candidata do PT entre beijos e abraços.
Outros já alardeiam que o vice dela, Michel Temer, seria satanista, informação colhida a partir de certos relatos de pessoas envolvidas em “batalha espiritual”. Essas pessoas, aliás, já caíram em tantas contradições que se viram obrigadas a declarar que seus livros sobre o assunto, até então tidos como verdadeiros “manuais do guerreiro”, não passavam de mera “ficção”. 
Outros ainda, em busca da lendária “terceira via”, elegeram Marina Silva como a esperança da nação, porque “é evangélica”. Será que se esqueceram onde estava Marina há dois anos? Há dez ou vinte anos?
Para quem não sabe, ou convenientemente esqueceu, Marina era do mesmo partido a quem esses “líderes” chamavam de baderneiro, invasor de terras, grevista, terrorista. Marina lutou ao lado de Chico Mendes, foi fundadora da CUT, figurou entre os pensadores do PT, foi ministra do governo Lula. E de repente, ao sair do partido, virou a santa padroeira dos evangélicos. Então eu pergunto: quando um candidato deixa de ser o cão chupando manga e passa a ser o enviado dos céus – e vice-versa?  
A revista Le Monde Diplomatique, em sua edição 36 (julho de 2010) aponta uma série de lobistas que apareceram recentemente nos canais americanos CNN, FoxNews e MSNBC. Dentre eles, o general aposentado Barry McCaffrey, por exemplo, defendeu que a guerra no Afeganistão deveria continuar por pelo menos mais 3 a 10 anos. A emissora não informou que o “especialista” trabalhava para uma das maiores empresas militares privadas do mundo, responsável por um contrato de US$5,9 bilhões com Pentágono.
Bernhard Whitman apareceu em 2008 na FoxNews como especialista em economia, e acusou o governo americano de “não entender nada de economia” por não ajudar a mega-seguradora AIG, em dificuldades financeiras. A Fox não disse ao público que Whitman era funcionário da AIG. O governo ajudou a AIG, e o resto da crise financeira que afundou os Estados Unidos, todo mundo conhece.
Em 2009 Richard Gephardt, bastante conhecido no meios políticos e sindicais americanos, apareceu na MSNBC afirmando que não era essencial um seguro social que era um dos pilares da reforma do sistema de saúde americano. Nada foi dito sobre a atuação do entrevistado como consultor de laboratórios da indústria farmacêutica e companhias de seguro privadas. Se isso ocorre do lado de cima o Equador, por que não aconteceria aqui? Qual seriam os interesses reais da turma acima citada, e seu “Fórum da Liberdade de Expressão”? Quais seriam os reais interesses dos chamados “formadores de opinião” da mídia? O que move certos líderes “espirituais” a se manifestarem a favor desse ou daquele candidato, desde vereador até os presidenciáveis?
Prefiro formar minha própria opinião, que certamente não será totalmente isenta de inclinações ou preferências ideológicas, mas com certeza não será baseada no que certos “líderes” inconstantes alardeiam do alto de seus púlpitos, de seus congressos, de seus livros e agora também de seus blogs; e muito menos do que sai no Jornal Nacional ou no Fantástico. Minha posição política será sempre pautada não pela imprensa conservadora e seus “especialistas”, mas pelos programas dos candidatos e dos partidos; pelo exame de suas vidas públicas, de suas realizações enquanto administradores e de seus projetos para a classe à qual tenho orgulho de pertencer: a uma classe trabalhadora, de gente comum, que recebe salário e paga imposto em dia. Que não é dono de empresa, que não lucra com a especulação de juros, que não tem conta no exterior, que não vive às custas de exploração de terceiros. Esse sou eu.
Assim, que motivos eu teria para eleger um candidato que irá limitar meus direitos adquiridos à força de mobilização, de união? É evidente que, para um empresário, um dono de fábrica, um banqueiro, alguém que pertence às elites, faz todo sentido apoiar políticos desse tipo. Para mim, não. Para você, não sei. Pode ser que faça sentido. Ou que você pense fazer sentido.
Pense em quem você está colocando no poder. Será que esse sujeito a quem você está pensando em dar seu voto irá te defender, de fato? Ou irá fazer a vontade daqueles que lhe prestaram apoio, lhe doando milhões para que legisle de acordo com o patrocinador, e que se dane o povo, que esses candidatos e seus porta-vozes globais fazem questão de tentar apagar da História?
Elementos que nada fazem para diminuir as diferenças sociais, para minimizar os problemas da nação como um todo e não apenas beneficiar determinados grupelhos?
Por que motivos eu votaria em um candidato só porque tal “líder evangélico” determinou que é o que Deus quer para o país? Que credibilidade têm tais líderes, que como camaleões mudam de cor a cada estação? Certamente não mais do que os tais “especialistas” que aparecem dando seus palpites nos telejornais. Na maioria, tanto esses “especialistas da mídia” como alguns “líderes evangélicos” estão com o rabo preso.
Quem me dera que tais “líderes” no Brasil se engajassem em prol de causas humanitárias e sociais, como foi o caso de Martin Luther-King e Jesse Jackson. Quem me dera que os jornais brasileiros fizessem como o New York Times e o Washington Post: “apoiamos tal candidato sim”, e não ficassem posando de neutros como aqui. Tal e qual nossos “líderes ungidos”, que a cada quatro anos ungem e desungem políticos, e atrás deles, a multidão de “maria-vai-com-as-outras”, sem cérebro, sem senso crítico, sem vontade política. Mera massa de manobra.
Com informações da Revista Brasil, nº46, abril de 2010.
Ilustração: Eugenio Neves (capturada na Internet)