Sejamos honestos. O ex-presidente Lula não é nenhum santo. Em seu duplo mandato de presidente, fez muitas coisas boas e também errou – o que aliás, aconteceu com sua sucessora. Talvez o maior erro tenha sido em nome da governabilidade, se associar a velhas raposas que mais tarde lhe passaram a perna. Enfim, humano, com todas as virtudes e defeitos comuns à maioria de nós. Talvez alguns de nós, cristãos honrados, que frequentamos igrejas todo fim de semana, dizimistas, defensores da família e dos bons costumes, tivéssemos caído nos mesmos erros e pecados que ele. Bom, alguns com certeza, inclusive já cumprindo pena (supostamente, porque ninguém viu de uniforme laranja, cabeça raspada e muito menos com algemas nos pulsos e tornozelos).
E se realmente formos honestos, precisamos dizer com todas as letras que aquela imensa maioria acima citada, que comemorou com aleluias e glórias a sentença do petista, caminha por uma estrada que representa tudo, menos o Cristianismo ensinado por Aquele que dizem seguir.
Os cristãos que antagonizam Lula (resisto a dizer a palavra “inimigos”) se agruparam como moscas no esgoto ao redor do pretenso candidato Jair Bolsonaro. Essa pessoa representa o que há de mais abominável no ser humano, independente de posição sócio-econômica, credo religioso ou ideologia política. É grande a lista de suas qualidades negativas, amplamente conhecidas por todos:
- quase foi expulso do exército por insubordinação e por planejar atos terroristas, logo ele que diz ser adepto da disciplina e opositor ferrenho de “terroristas”;
- opinou que a mulher deve ganhar menos que o homem, “porque engravida, sai de licença por vários meses e dá prejuízo ao patrão”;
- afirmou em público que os negros de uma determinada comunidade são como animais de corte, gordos, vagabundos, que nada fazem;
- disse a uma colega parlamentar que só não a estuprava porque ela não merecia, era “muito feia”;
- declarou ser favorável à tortura;
- demonstrou ter nenhum conhecimento da função presidencial a que almeja, jogando a responsabilidade para seus futuros e eventuais ministros, ao dizer que não precisa saber nada de economia, nem de saúde, por exemplo (quem tem que saber isso é o ministro da pasta correspondente);
- está já por quase trinta anos como parlamentar, sem nunca ter produzido nem uma lei ou projeto relevante sequer, no máximo a nomeação de ruas e praças;
- arranjou uma forma de capitalizar para sua família vários cargos no governo, alguns eleitos na sua sombra, outros funcionários-fantasmas;
- acumulou patrimônio incompatível com sua renda declarada, da ordem de cerca de R$15 milhões, e se negou a explicar;
- disse com todas as letras que recebeu auxílio-moradia indevidamente durante vários anos, e que gastou o dinheiro para “comer gente” (sic).
Ora, aí eu pergunto: como pode um cristão apoiar esse tipo de candidato? Que personagem bíblico poderia ser associado a esse cidadão? Com certeza, nenhum dos apóstolos ou discípulos dos tempos bíblicos. No máximo, biblicamente falando, podemos compará-lo ao joio que foi semeado no campo junto com o trigo, se parece com trigo, mas é apenas mato, erva daninha. Note que não julgamos a pessoa (que cabe a Deus somente), mas as suas obras, seus atos (que cabe à Igreja, como já demonstrei antes aqui neste link).
Boa parte desse grupo de cristãos conservadores (sim, existem cristãos progressistas) costuma apoiar incondicionalmente aquele que é talvez o maior boquirroto da atualidade, a nível mundial – Donald Trump, um milionário que chegou a presidente dos Estados Unidos. Isso em função de dois ou três fatos:
- ele foi eleito com o apoio maciço da direita evangélica, a mesma que considerava o antecessor, Barack Obama, um comunista (por suas ideias relativamente inovadoras no campo da saúde, por exemplo) e até mesmo muçulmano (sinal de extrema desinformação, como ocorre aqui) por conta seu nome exótico para os padrões ianques;
- como retribuição a esse apoio eleitoreiro, abriu os cofres do tesouro para agradar aos pastores e missionários, dando continuidade à política de enviar missões que não apenas “evangelizam” outros povos com Bíblias, panfletos e hinos, mas também com toda uma cultura própria do interior americano, nas roupas, comportamento e o pior de tudo, na defesa do “modo de vida americano” que abomina tudo que não venha de lá;
- o agrado aos crentes inclui declarar Jerusalém como capital de Israel, sem se importar com as consequências desse ato para os diretamente envolvidos na linha de frente do conflito árabe-israelense;
- isso cria para os evangélicos brasileiros, que geralmente não examinam nada com profundidade, uma aura de messias que está abrindo as portas para a evangelização mundial e assim “apressando a volta de Jesus” (outro conceito que carece de base bíblica, que examinaremos em outra oportunidade);
- a posição claramente direitista, quase fascista, fascina os anti-Lula (quase escrevi “inimigos”).
Ora, aí eu pergunto mais uma vez: como pode um cristão simpatizar com esse tipo de pessoa?
- um homem que desde muitos anos expõe sem o menor pudor o seu machismo, ao considerar as mulheres meros objetos;
- sabidamente racista, ao dizer que os países pobres são “buracos de m****”);
- divisionista e sectário, ao insistir na construção de um muro que impeça a entrada de imigrantes, esquecendo-se de que a América (a dele e a nossa) seriam muito diferentes não fosse a vinda de milhões e milhões de imigrantes de todas as partes do mundo. Veja a própria origem do nome de sua família, imigrantes do leste europeu cujos primeiros representantes tiveram até que mudar de nome para se “americanizar” (fonte).
De novo: como pode uma pessoa que se diz cristã, em nome da família, dos bons costumes e da moral, em nome “de Deus”, defender esse tipo de gente? Nem que seja como oposição ao ex-presidente Lula (que como disse acima, não é nenhum santo, que fique claro)? Qual é o ponto que norteia essa posição? Porque não gosto desta figura política, passo a apoiar qualquer coisa que se lhe oponha? Porque não gosto dessa pessoa, pouco me importam os critérios (ou falta deles) que influenciaram a sua condenação?
Bem, não vou insistir nessas perguntas porque você já sabe o que eu quero dizer. Já entendeu. Logo vão me chamar de comunista...
Na verdade, preciso dizer algo a você. A você que se considera “capitalista”, eu pergunto?
- você é dono de empresa? Tem funcionários que trabalham para você? É dono de algum banco? Possui fazendas? Se sim, ótimo. Se não...
- aplica dinheiro na Bolsa de Valores e em fundos de investimentos? Não?
Então eu sou mais capitalista do que você...
Mas... defendo posições que entendo serem progressistas.
Defendo algumas bandeiras, desde muitos anos, que me custaram algumas “amizades” e várias pedradas vindas de dentro dos templos e denominações.
Defendo a soberania nacional (ao contrário do sr. Bolsonaro, que bateu continência para a bandeira americana) e a não-entrega do patrimônio da nação a potências estrangeiras, ainda mais a preço de banana como têm sido as propaladas privatizações (que nada resolvem e só servem para gerar caixa para o governo entreguista e comissão aos apadrinhados), enviando todo o lucro ao exterior (proveniente de gás, petróleo, minério de ferro e outros minerais, energia eólica e solar, indústrias de transformação);
Defendo direitos básicos para todos e para todas: trabalho, pão, terra, liberdade de ir e vir e de opinião.
Defendo oportunidades iguais para todos, na educação, na saúde, na segurança, nos transportes, na renda mínima digna.
Defendo o fim dos privilégios de classe, como por exemplo a taxação das grandes fortunas.
Se isso é ser socialista, o que eu posso dizer mais? Defender o contrário disto é que é o certo, como o sr. Bolsonaro e o sr. Trump, e sua corja de lacaios hoje encastelados na mídia, nas escolas, no legislativo e no judiciário, nos quartéis e nas igrejas? Este sim é o aparelhamento de que nos falam Antonio Gramsci e Louis Althusser. E que muitos se recusam a conhecer.
Caso se preocupassem em ter apenas uma cara, um peso e uma medida, como nos ensina a Bíblia, procurariam entender um pouco mais os mecanismos que os controlam, invisivelmente.
Ou então, permaneçam com suas duas caras, seus dois pesos, suas duas medidas, que absolvem uns e condenam outros, relativizando os motivos e as evidências.
Exatamente como fez uma certa seita judaica há dois mil anos. Desses, Jesus disse que eram “sepulcros caiados”.
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