Hoje vemos o abandono da ortodoxia na doutrina, com pregações baseadas quase sempre em elementos do AT, com entendimento equivocado do ensinamento apostólico e do didaskalós das epístolas. O surgimento e o rápido crescimento de denominações não ortodoxas, aliados ao poder da mídia, pode trazer resultados maléficos. Se pelo menos o apostolicismo de hoje recuperasse as práticas doutrinárias perdidas, daríamos um grande passo rumo a uma igreja santa.
O primeiro malefício é o espírito de competição. Grupos outrora ortodoxos passaram a cultuar e a ter reuniões semelhantes aos grupos neopentecostais, para angariar novos membros. Especialmente nas reuniões de libertação, uma marca registrada dos pentecostais clássicos, imita-se de maneira grotesca os neopentecostais, visando obter mais freqüência, assiduidade e dinheiro. As antigas reuniões de oração e libertação, que serviram de elementos-chave no crescimento da igreja, cederam ante o espírito de competição desses grupos. A ênfase na oração, pregação e novidade de vida cedeu lugar ao ensino da prosperidade, da mensagem que leva o pecador a se sentir bem, amado por Deus, podendo viver a fé de forma bem pessoal, sem pressão nem compromisso.
O segundo malefício é o afrouxamento do ensino, da sã doutrina apostólica, que deve ser interpretado como ensinamento, estilo de vida, ou o didaskalós, que os apóstolos tanto enfatizavam. Uma vida de ordem na família e na sociedade; um ensinamento sobre o relacionamento do cristão com o mundo ao seu redor. Ética. Caráter. Estilo de vida santo. A geração de cristãos honestos, comprometidos com a fé, de bons empregados e bons patrões; de famílias ordeiras e de lares disciplinados vem sistematicamente desaparecendo. Em seu lugar surgiu uma geração que transmite uma péssima imagem do cristão, de Deus, de Jesus e da Bíblia. Surgiu uma geração de cristãos desacreditada perante a sociedade e autoridades.
O terceiro resultado nada agradável é o que prega a necessidade de enriquecimento denominacional, o enriquecimento entre os membros e a conseqüente construção de templos e prédios grandiosos, frutos de um ensinamento megalomaníaco.
Paralelamente surgiu uma nova classe de evangélicos descomprometidos com a igreja local, afiliados a toda sorte de organizações para-eclesiásticas, a vulgarização do evangélico. A igreja parou de ser renovada na essência da vida cristã, entrou num ciclo de romantismo espiritual, de experiências místicas que não em nada altera a vida dos crentes. Estes passam a falar em línguas, a caírem no chão, a entoarem louvores, mas sem mudança de vida. Questão de caso de estudo para os teólogos. A igreja está passando por uma metamorfose negativa, em que a verdade deu lugar ao sofisma e o caráter não se faz mais necessário como regra e conduta de fé.
Em quinto, este novo estilo fez surgir uma nova classe de pessoas e de cristãos que, além da falta de compromisso com a igreja na localidade, diz que a igreja é mais uma opção entre outras quando se quer solução a algum problema da vida. Durante a semana o novo cristão recorre aos cultos, tanto quanto busca um centro espírita, uma missa católica e uma seita oriental. O resultado é que, somados e multiplicados os malefícios, estes acabarão por formar nos próximos anos uma igreja fraca, sem conteúdo teológico, apesar da multidão de fiéis, insípida e sem a graça divina. Se realmente fossemos tantos assim, o Brasil seria diferente. Talvez sejamos muitos como sal sem sabor.
Em sexto, o neopentecostalismo provocou uma reação contrária em outros segmentos da igreja. Os que buscam em Jesus a essência da fé; os que querem viver o eterno propósito de Deus. Os que se envergonham diante de Deus e dos homens da atual situação espiritual da igreja passaram a abominar tudo o que soa a evangélico, ao que é cristão, ao pensamento denominacional, formando igrejas na tentativa de recuperar o fundamentalismo apostólico. Tais irmãos se dizem não evangélicos; desprezam qualquer tipo de liturgia, reúnem-se em qualquer lugar e se fecham em torno de si mesmos e de sua doutrina. São exclusivistas em suas cidades; não participam de eventos ou de celebrações, e receiam e temem tudo o que vem da parte da atual igreja, a que eles chamam de grande Babilônia.
Existe nisso tudo algo positivo? Pode estar sendo dado início à formação de um remanescente fiel a Deus – com ou sem intenção de sê-lo; da extirpação da mentalidade cultural da adoração em templos e grandes auditórios, da vida cristã simples e sem religiosidade exterior, reunindo-se em casas, garagens e praças. A ausência de elementos exteriores – especialmente na liturgia – aliado ao profundo estudo das Escrituras, à vida de retidão, de santidade e de evangelização podem contribuir para o equilíbrio da balança espiritual da igreja. O ruim é não influenciar o bairro ou a cidade, por não marcarem sua presença com um local de culto visível, através de templo ou de salão de reuniões. Isto é, por não terem local para reuniões tendem a passar desapercebidos e ignorados pela sociedade. Deve-se admitir que a presença de um espaço para a celebração de cultos influencia as autoridades e população de uma região.
Muitos dos que se renovaram na década de 1970 seguiram nesta direção; e, apesar de alimentarem a idéia de que não são denominações, formaram verdadeiras organizações em que o código de vida cristã e as diretrizes não estão escritas em atas ou estatutos, mas na mente dos seus líderes. Quando isto acontece, as chances de erro aumentam, pois o comportamento e o controle é feito pelo autoritarismo e por interpretações bíblicas equivocadas; em alguns desses grupos qualquer um que discorde do seu líder é rebelde. Os dois extremos, o legal e estatutário e o que está apenas na cabeça do líder são prejudiciais ao corpo de Cristo. Estatutos em demasia engessam o crescimento da igreja, e estatutos que existem apenas na mente dos líderes engessam a liberdade de pensamento dos cristãos.
A igreja brasileira deriva no oceano espiritual, sem direção por haver desprezado a bússola, que é a Palavra de Deus, comprometendo-se com os sistemas políticos e sociais da nação. As lideranças vivem cevando seus títulos, participando de esquemas que fariam Paulo corar de vergonha; chamados para fazer a diferença em sua geração, quando ouviam do Eterno as diretrizes para a igreja, sem se aperceberem deixaram de freqüentar a sala do Trono do Altíssimo, o Senhor e Rei, para se assentarem com aquele que faz oposição a Deus. Cristãos ou pastores políticos que assim se comportam não se posicionam abertamente em questões como aborto, divórcios, homossexualismo, injustiças sociais, etc., por temerem o povo e seus pares. Em Brasília ou nas Assembléias Legislativas de seus Estados, da mesma maneira que faziam na administração de suas igrejas, pensam em si mesmos e no futuro financeiro de suas famílias.
Se os milhões de membros da igreja fossem sal, por certo questões como reforma agrária, habitação e saúde seriam imediatamente resolvidas. Um país tão grande deveria ter terra para todos; saúde para seu povo e habitação. Se a igreja fizesse diferença na sociedade poderia erguer a bandeira da justiça social, e com seus milhões de membros lutar a favor dos pobres, dos aposentados , dos sem-terra, dos sem-teto e dos injustiçados.
Uma coisa é ter milhões de membros, outra bem diferente é ter milhões de discípulos fiéis.
E estes são poucos.
(Texto original: Ministério Pastor João Antonio de Souza Fillho, pastor e escritor – http://www.pastorjoao.com.br/historia/breveensaio.htm - publicado com permissão)