sexta-feira, 18 de abril de 2014

A ressurreição de Cristo


Contradições (?) da Bíblia - 7
Uma conversa com meu amigo Fellipe rendeu o seguinte assunto: os relatos da ressurreição de Jesus são diferentes em cada evangelho. O evangelho de Marcos diz que Madalena, Maria “mãe de Tiago” e Salomé foram ao sepulcro (Salomé às vezes é chamada “Maria Salomé”, de onde a expressão “as três Marias”). Elas viram um anjo, mas a princípio não contaram nada a ninguém. E como Jesus apareceu primeiro a Madalena, foi ela quem contou depois aos discípulos o que vira.
Já Lucas diz que Madalena, Joana, Maria “mãe de Tiago” e outras mulheres não especificadas viram a pedra revolvida. Entraram, não viram o corpo, e só então viram dois anjos. Instruídas por eles, voltaram e contaram aos discípulos.
Mateus diz que eram duas mulheres: Madalena e “outra Maria”. Viram a pedra removida e um anjo sentado. Instruídas por ele, voltaram e contaram aos discípulos. Também relata que houve um terremoto e que o anjo tirara a pedra.
Mas João só relata Madalena. Ela viu a pedra removida, mas não anjos. Voltou e falou com Pedro e João. Eles entraram e então ela viu dois anjos, e depois Jesus. Só aí ela voltou e contou aos outros discípulos.
Com base nessas diferentes versões, alguns tentam desacreditar a Bíblia, dizendo que tudo é um mito, a ressurreição e o próprio Jesus. Dizem que foi uma lenda “espalhada pela Igreja”, e que a prova da farsa é a contradição entre os evangelhos.
Mas se a gente estudar direitinho, veremos que tentar atacar a Bíblia em cima dessas diferenças é bobagem. Os evangelistas escreveram com base nos depoimentos das pessoas que viveram esses eventos, e não numa entrevista coletiva ou num press-release da assessoria de imprensa de Jesus, por isso os testemunhos diferem entre si; mas apenas nos detalhes. Ao contrário do que afirmam, se todos os evangelhos – e aqui ouso dizer, os canônicos e os apócrifos – fossem iguais, pasteurizados, aí sim estaria tudo sob suspeita... Veja:
Estão presentes em apenas um relato - Salomé; Joana; Madalena (desolada, chorando); Pedro e João entrando na tumba primeiro; outras mulheres não especificadas; o terremoto; guardas aterrorizados;
Constam em dois relatos - Maria (mãe de Tiago); Pedro entrando no sepulcro; um anjo (em Mateus e Marcos); dois anjos (em Lucas e João);
Constam em 3 relatos - a ordem para ir contar aos outros; o lembrete de que isto tudo era o cumprimento do que Ele dissera;
O que é igual em todos - domingo bem cedo; quem vê Jesus primeiro é uma mulher; Madalena sempre está presente; o sepulcro aberto e vazio; mulheres atemorizadas; avistamento de anjos (um ou dois); uma palavra de consolação (
“Porque procuras? Ele não está aqui”); mulheres voltam e contam aos discípulos.
Então, vejamos. Alguns autores afirmam que Marcos foi o primeiro a escrever o que lhe relatara Pedro – testemunha ocular da História. Isso significa que Marcos é uma espécie de introdução, a que Mateus e Lucas, posteriores, dão maiores detalhes. João foi o último a escrever, e nos dá informações que os outros não dão. Por exemplo, uma descrição pormenorizada da última ceia, que ocupa cinco capítulos inteiros de seu evangelho. Ao mesmo tempo, ele pula o sermão profético, já documentado pelos outros três (Mateus 24/25, Marcos 13 e Lucas 21). A viúva de Naim, a ressurreição de Lázaro, algumas parábolas etc., também não estão em todos os evangelhos.
Assim, temos a maioria dos estudiosos sérios dizendo que essas diferenças são desprezíveis do ponto de vista do sentido total das Escrituras. Josh McDowell diz que “embora relatem alguns detalhes de forma diferente, os Evangelhos concordam em todos os pontos importantes... Jesus foi morto e sepultado; Algumas seguidoras, incluindo Maria Madalena, visitaram a tumba no domingo pela manhã e a encontraram vazia. Os discípulos não estavam preparados para Sua morte, estavam confusos e não se convenceram da ressurreição. Então Jesus apareceu vivo aos seus discípulos, que então começaram a ser proclamadores da mensagem de Sua ressurreição”. E cita Wilbur Smith: “Nessas verdades fundamentais não há absolutamente nenhuma contradição. As assim chamadas variações nas narrativas são somente os detalhes que mais se fixaram na memória de uma ou outra testemunha da ressurreição, ou na memória dos escritores do NT”.
A ressurreição é um fato histórico; alguns detalhes podem divergir, mas o fato verdadeiramente  ocorreu: Lucas atesta que Jesus “se apresentou vivo, com muitas provas infalíveis, aparecendo-lhes por espaço de quarenta dias” (Atos 1:3). Neste link encontramos explicações sobre as tais “diferenças superficiais”.
E mais, “o problema em se focar em discrepâncias é que nós tendemos a perder a visão da floresta por causa de algumas árvores. O fato mais importante é que os evangelhos são incrivelmente harmoniosos no que eles relatam. As discrepâncias entre eles são em detalhes secundários”.
Este link mostra a congruência entre fontes diferentes, e lista ainda outras diferenças entre as narrativas (última ceia, crucificação etc.), mas uma frase importante é: “Uma vez que a historicidade da tumba vazia é posta, a disputa sobre a quantidade de anjos lá presentes simplesmente não importa”. McDowell diz que é possível que houvesse mesmo dois anjos, e que apenas um falou; ou ainda, que Madalena viu apenas um; afinal, depois de tanto chorar, ela nem mesmo reconheceu Jesus. Pedro e João não viram anjos, mas isso não quer dizer que não havia anjos, mas sim que Pedro e João não os viram. E se Mateus, que escreveu seu texto depois, “entrevistou” alguém que testemunhou o terremoto? E se essa mesma testemunha não falou com os outros evangelistas, e por isso eles não mencionam o terremoto? Me lembrei também que a partilha da túnica de Jesus só lemos em Mateus e João, em Lucas e Marcos não. E daí? Não vejo nenhum problema nisso.
William Lane Craig diz: “João prioriza [Madalena] em seu relato [...] mas sabe sobre as outras mulheres, como é evidente nas palavras de Maria, ‘Eles retiraram o Senhor da tumba e nós não sabemos onde o colocaram’ (João 20:2, compare com 20:13). Nós não sabemos todos os nomes das outras mulheres presentes, mas entre elas estavam outra Maria, mãe de Tiago, e Salomé. O fato de mulheres aparecerem nas narrativas como descobridoras da tumba vazia, é, a propósito, um dos fatos mais convincentes, que leva a maioria dos estudiosos a aceitar a historicidade da narrativa”. Isto se dá em razão de que o testemunho de mulheres geralmente não era aceito como prova de qualquer coisa, entre os judeus antigos. Ora, se toda a história fosse falsa, não seria mais lógico criar uma narrativa onde os homens tivessem visto tudo e contado aos demais? Por que deliberadamente colocar o relato na boca de mulheres?
É mais ou menos como eu disse sobre o caso do João Saldanha e o goleiro Manga. Não se trata de um Globo Repórter, ou do Discovery Channel, onde se procura todos os mínimos detalhes, fazer acareação entre as testemunhas, passar pelo detector de mentiras. Eram fatos conhecidos de todos naqueles dias em Israel: as testemunhas ainda viviam muitos anos depois (I Coríntios 15:6), e os evangelistas registraram com tinta e papel (ou papiro) o que delas ouviram. É óbvio que haveria diferença entre um relato e outro; o que não invalida nenhum deles, pois o núcleo dos acontecimentos é o mesmo em todos.
Resumo: um grupo de mulheres foi ao sepulcro, Madalena, Maria “mãe de Tiago”, Joana, Salomé e mais duas ou três, que seja. Um evangelista citou só Madalena; outro citou Madalena, Maria (mãe de Tiago), Joana, e “outras mulheres” não especificadas (Lucas 24:10); e outro citou Madalena, a mãe de Tiago e Salomé. Todos estão certos ou todos estão errados? Todos estão certos, mesmo não tendo cada um, separadamente, feito o relato “completo”.  Madalena vai à frente. Ela vê a pedra remexida, um anjo ao lado, o sepulcro vazio. Outro anjo está lá dentro, sentado. Todas voltam atemorizadas, pensando que o corpo de Jesus foi retirado; não dizem nada, mas Madalena acaba por contar o que vira. Pedro e João não acreditam; correm ao sepulcro, Pedro entra primeiro, João depois; eles vêem os panos mas não anjos. Eles retornam, talvez desolados e confusos. Madalena agora está do lado de fora chorando; ela olha para dentro e vê dois anjos sentados onde estivera o corpo. Jesus aparece e diz para ela voltar e contar que Ele ressuscitou. Até então os discípulos ainda pensam que o corpo foi roubado e não compreendem o que houve, “porque não entendiam a Escritura” (João 20:9). Mas depois Jesus aparece entre eles, que finalmente crêem e entendem tudo. Veja que só então (Lucas 24:45-48) Jesus “lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras”.
Ou seja, o cerne do Evangelho é este: Jesus veio, viveu entre nós, foi morto, ressuscitou ao terceiro dia e depois subiu para o Pai. Isto é a mensagem central que está preservada.
Neste link pelo menos um autor concorda que a narrativa não poderia ser forjada, pois seria um erro deixar circular versões diferentes, e que ninguém de sã consciência morreria por uma fraude. No fim das contas, eu tenho sempre dito que ou a gente crê ou não crê. Já me disseram que alguém viver 900 e tantos anos é uma impossibilidade natural. Ora, existe maior impossibilidade natural do que alguém ressuscitar dentre os mortos depois de três dias?
Para mim, pesquisar essas coisas só aumenta a minha fé. Como diz o Mário Persona, a Bíblia não depende de eu crer ou não para ser Verdadeira...

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Curiosidades:
Salomé é tida pela tradição católica como irmã da mãe de Jesus (João 19:25); também esteve aos pés da cruz, com João e outras mulheres como Madalena e Maria “mulher de Clopas”. Ao contrário do que podemos supor, “Salomé” é um bom nome: comum entre os judeus, é o feminino de “Salomão”, que significa “paz” (a mesma raiz da palavra “shalom”, que também está no nome da cidade santa, Jerusalém). Temos uma imagem ruim do nome “Salomé” por causa da outra Salomé, a que pediu a cabeça de João Batista. A Salomé que acompanha as outras mulheres ao túmulo na manhã de domingo é uma discípula, esposa de Zebedeu (Mateus 20:20), e mãe de Tiago e João (Marcos 3:17), que assim seriam primos de Jesus (?). Joana é a “mulher de Cuza, procurador de Herodes” (Lucas 8:3). Maria “mulher de Clopas” (João 19:25) seria mãe de Tiago Menor e de José (Mateus 27:56, Marcos 15:40). Clopas, ou Cleofas, seria um dos discípulos do caminho de Emaús (Lucas 24:18).

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