Muitas pessoas me mandam dúvidas sobre a Bíblia e supostas contradições no texto das Escrituras. Algumas realmente querem algum tipo de explicação sobre uma passagem, outros expõem o que acreditam ser falhas no texto, e outros dizem que a Bíblia é falsificada, cheia de erros, preconceitos e maus exemplos. Eu tento responder, por que às vezes também me aparecem certas dificuldades e algumas passagens parecem ser contraditórias, outras enigmáticas. Às vezes eu nem respondo, porque percebo que alguns não querem de fato entender a Verdade bíblica, e apenas polemizar. Não vão ser convencidos de que a Bíblia é a Palavra de Deus, porque no fundo não crêem
Meu amigo Mário Persona criou um site onde
colecionou, ao longo dos anos, as inúmeras perguntas que lhe chegaram, e
procura respondê-las. Aconselho você, que tem dúvidas, a consultá-lo (www.respondi.com.br/) . Eu também vou lá de vez em quando. É
sempre muito bom procurar explicações no maior número de fontes possível, até
que você possa ver qual delas é a mais embasada biblicamente, e formar a sua
própria opinião. É assim que procuro responder aos que me perguntam sobre esses
temas. Tenho minha própria opinião, busco estudar na Palavra, em livros de
autores responsáveis e de gabarito; e também em sites confiáveis, do ponto de
vista da “sã doutrina”. É evidente que, se você estiver sinceramente
interessado em aprender da Palavra de Deus, deve também orar a respeito, e
pedir a Deus que lhe abra o entendimento e lhe revele os preciosos ensinos que
foram preservados através dos séculos. Peça a Ele que desvende a Sua Palavra a
você, e depois confirme na própria Escritura. A Escritura pela Escritura se
explica.
Outro dia um
engraçadinho
– anônimo, como sempre – a propósito da longevidade dos patriarcas, disse que não se pode saber se Sara realmente estava na
menopausa, “porque não havia ginecologista”. É o mesmo raciocínio tosco de quem
diz que “Maria não era virgem” (aliás, outro ataque tão antigo como os pagãos
de Roma, que usavam a mesma frase para tentar desacreditar os cristãos): o tempo passou, mas algumas pessoas continuam intelectualmente na idade da pedra. Existem coisas que realmente não são passíveis de
comprovação documental, como aspectos ginecológicos das mulheres da Bíblia; mas
o relato é tão fiel e verdadeiro em tantas outras passagens, que não há razão
para não crer nele. Por exemplo, é fisicamente impossível que um homem caminhe
sobre a água, ainda mais durante uma tempestade “no mar” (na verdade o lago de
Tiberíades, sobre o qual falaremos depois). Mas Jesus fez isso. Também é
cientificamente impossível que alguém ressuscite depois de quatro dias morto;
mas Jesus reviveu Lázaro. Essa é a natureza do milagre, ou seja, o
“sobrenatural” – acima, além, do natural. Eventualmente, cientistas tentam dar
explicações científicas a esses fenômenos, mas freqüentemente criam armadilhas
para si próprios, como neste artigo. Aqui e nos próximos textos, vou pinçar alguns desses comentários questionadores, e para os seus autores peço a licença para usá-los como ponto de partida para a discussão dos seus temas. Entretanto, optei por não citar os comentaristas um a um, porque são vários. Preciso economizar espaço. Para ficar mais claro, usarei este tipo de letra para as citações dos leitores.
Como os antigos gnósticos, alguns não conseguem aceitar “um Deus capaz de coisas que não
seriam esperadas nem do mais selvagem e injusto ser humano”, como quando se
diz que Deus se arrependeu, ordenou a morte de populações, criou o mal etc. (Isaías
45:7, Amós 3;6, Miquéias 1:12 etc.). Orígenes, um antigo erudito e intérprete das Escrituras, defensor do método alegórico de interpretação, tentava conciliar essas passagens dizendo que “muitos textos bíblicos são
intencionalmente obscuros, racionalmente incoerentes ou moralmente repugnantes,
a fim de forçar o intérprete a descobrir o seu significado verdadeiro mais
profundo” (Christopher A. Hall, “Lendo as Escrituras com os Pais da
Igreja”, Ed. Ultimato, 2000, pg. 137/138). Uma falácia, como veremos adiante, num artigo sobre os métodos de interpretação bíblica.
Outros enveredam pelo caminho mais
fácil: “a Bíblia está cheia de erros,
portanto não vale a pena crer nela”. Ou então, mesmo sem saber nada sobre
os símbolos e tipos que a Bíblia nos apresenta, apelam para o método alegórico,
campo fértil para fantasias. E assim caem nos mesmos erros que se perpetuaram
no seio da igreja católica, doa a quem doer.
Uma das coisas a que nós precisamos
recorrer com relação a possíveis contradições bíblicas é a honestidade. Vemos
muitas vezes que as pessoas aplicam regras diferentes quando se trata de
examinar a Bíblia, o que é claramente usar dois pesos e duas medidas. Citam-se
frases de Gandhi, Mandela e Carl Sagan, de Bertrand Russell e de Voltaire, como
se fossem a verdade absoluta; fazem-se referências a sábios e filósofos que não
deixaram nada escrito (como o próprio Sócrates, cujo pensamento conhecemos
apenas através dos testemunhos de Platão e Xenofonte, que por sua vez os
transmitiram a seus respectivos discípulos). Mas quando citamos Paulo, Moisés
ou Isaías, dizem logo que não se tem certeza sobre a autoria da frase, que são
contraditórias, que nem mesmo se sabe se esses personagens existiram de fato.
Ou seja, falta honestidade no uso de critérios.
Por exemplo, quando se usa o
discurso proferido por Estevão momentos antes de ser apedrejado, como sendo
prova de que Bíblia errou. Citam Atos 7:2, onde se lê: “Estêvão
respondeu: Irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão,
estando ele na Mesopotâmia, ANTES de habitar em Harã...”. Porém
(contestam) o livro de Gênesis (11:31 a 12:1) relata o acontecido DEPOIS de
Abraão habitar em Harã. Ora ,
se alguém errou aqui foi Estevão. Lembremo-nos de que ele estava prestes a ser
executado. Ele fez um longo sermão e praticamente contou TODA a história de
Israel desde o início até os dias de Cristo. Qual o problema em uma pessoa
cometer um erro pequeno assim, em todo o seu sermão? Se você resolvesse me
contar toda a História do Brasil, sabendo que assim que terminasse iria ser
fuzilado, será que você diria tudo sem cometer nenhum equívoco, sem trocar nenhuma informação? Talvez você não consiga nem mesmo se souber que vai ganhar um prêmio. Vemos isso todo dia em programas da TV. Chamem os universitários! Como se adiantasse alguma coisa chamar universitários hoje em dia... desculpa
aí.
O que Lucas fez, ao escrever os atos dos
apóstolos, foi contar exatamente o que ocorreu, e o que ocorreu foi que Estevão
disse ANTES, quando deveria ter dito DEPOIS. Isto prova que a Bíblia não foi
adulterada, como acreditam os céticos (se é que cético acredita em alguma
coisa, é nisso: a Bíblia foi alterada). Ora veja bem: se deveria haver alguma adulteração, seria justamente
corrigindo o erro de Estêvão. Mas não, o relato foi fiel ao que aconteceu: ele
disse ANTES, quando deveria ter dito DEPOIS. Isto basta para reafirmar que o
relato histórico do livro de Atos é um fidedigno, e como tal, ele detalha o equívoco de um dos primeiros mártires, que trocou apenas uma palavra em um extenso
sermão.
Uma coisa que é fundamental para se achar as
respostas é ter um método de interpretação do texto bíblico. A Editora Mundo Cristão
lançou um livro, há muitos anos, sobre esse assunto, do autor Walter A.
Henrichsen (ao lado, a edição que eu tenho). Não
sei se ainda está à venda, mas você se puder, compre e leia, várias vezes. É
dele que transcrevo a seguir alguns trechos, com algumas regras básicas que
tenho procurado seguir ao tentar achar o significado e a coerência de trechos
da Escritura que apresentam, digamos, dificuldades.
Logo no seu prefácio, há uma citação de Frank
E. Gaebelain: “O cristianismo é
peculiarmente religião de um livro só. Elimine a Bíblia, e você terá destruído
o meio pelo qual Deus decidiu apresentar Sua revelação ao Homem através de
sucessivas eras”. Essas simples frases trazem duas verdades
fundamentais: Deus existe, e fala a nós por meio da Bíblia; por isso, os
ataques à Bíblia, nas suas diversas formas, são parte de uma guerra para
eliminar a comunicação de Deus com os homens. Quando concluímos que a Bíblia
não presta – por ter erros, dar maus conselhos, ter sido adulterada etc. –
estamos abrindo mão de receber o que Deus queria nos dizer. E a segunda verdade
é que essa comunicação de Deus com os homens não se deu da mesma forma ao longo
da História.
Sabemos que lá no início, Deus falava com o Homem
diretamente, tête-a-tête. Depois,
através dos patriarcas, com as promessas; depois veio a Lei e os profetas, e
por fim, o próprio Deus se encarnou em forma humana. Depois que Ele subiu aos
céus, prometeu voltar e deixou toda a compilação que hoje chamamos de Bíblia
como registro do que aconteceu e orientações acerca do presente e do futuro,
para nossa edificação, consolação e exortação. É isso que está escrito em Hebreus
1:1 ,2 – “Havendo Deus antigamente falado muitas
vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias a
nós nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas”.
Assim, o livro de Henrichsen nos diz que...
Há quatro
partes básicas no estudo correto da Bíblia.
1 –
Observação, que responde à pergunta: “o que vejo?” Aqui o estudante aborda o
texto como um detetive. Nenhum pormenor é sem importância; nenhuma pedra fica
sem ser virada. Cada observação é cuidadosamente arrolada para consideração e
comparação posteriores.
2 –
Interpretação, que responde à pergunta: “o que isto significa?” Aqui o
intérprete bombardeia o texto com perguntas como: “que significavam estes
pormenores para as pessoas às quais foram dados? Por que o texto diz isto? Qual
a principal idéia que ele busca comunicar?”
3 –
Correlação, que responde à pergunta “como isto se relaciona com o restante
daquilo que a Bíblia diz?” O estudante da Bíblia deve fazer mais do que
examinar somente passagens individuais. Deve coordenar o seu estudo com tudo
mais que a Bíblia diz sobre o assunto. A precisa compreensão da Bíblia sobre
qualquer assunto leva em conta tudo o que a Bíblia diz sobre aquele
assunto.
4 –
Aplicação, que responde à pergunta “que significa isto para mim?” Esta é a meta
dos outros três passos. Um especialista disse-o sucintamente: “Observação e
interpretação sem aplicação é um aborto”.
A Bíblia é
Deus falando. Sua Palavra exige resposta. E essa resposta tem de ser nada menos
do que a obediência à vontade de Deus revelada.
Existem também quatro
categorias de princípios de interpretação: os princípios gerais, os gramaticais
(que tratam do texto propriamente dito, para o entendimento das palavras e
sentenças), os históricos (que tratam do contexto em que a passagem foi
escrita, sus situação política, econômica e cultural), e os princípios
teológicos, isto é os que tratam da formação da doutrina, consistindo de
regaras amplas, já que por doutrina entendemos tudo o que a Bíblia sobre
determinado assunto; os princípios teológicos dão forma ao corpo de crenças que
constituem a fé em Deus.
(com informações de Walter A. Henrichsen, “Princípios
de Interpretação da Bíblia”, Ed. Mundo Cristão, e Christopher A. Hall, “Lendo as
Escrituras com os Pais da Igreja”, Ed. Ultimato)
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