sábado, 15 de junho de 2013

Cristo em vós

O verbo grego kaleo significa “chamar” e a preposição grega ek, “para fora de”. A composição resulta na expressão cheia de significado ek-klesia que significa “chamados para fora de” - “igreja” ou “assembléia”. Igreja é uma congregação, i.e., um grupo de pessoas regeneradas, nascidas de novo. Apesar disso, ainda é muito comum a confusão entre igreja e templo. Por isso, é preciso saber distinguir bem entre os dois conceitos.
Nos tempos de Cristo, a noção de lugar sagrado era comum tanto no judaísmo como no paganismo, e era causa de um indesejável nao-centrismo e nao-latria (do grego naos = templo). Por isso Jesus jamais tratou o templo pela expressão “santuário”. Jesus adorava e ensinava no templo, mas previu a destruição dele (Mateus 24:1-2), o que lhe rendeu uma acusação formal (Mateus 26:61), pois tocara nos alicerces da religião judaica. Mas também afirmou peremptoriamente que as portas da morte não prevaleceriam sobre a  Sua ekklesia, edificada Nele (Mateus 16:18). Curto e grosso: o templo pode ser destruído, a Igreja jamais!
O Novo Testamento ensina que “o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens” (Atos 7:48), que nós somos “o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em nós” (I Coríntios 3:16) e que “o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em nós, proveniente de Deus” (I Coríntios 6:19).
Por isso não deve nos surpreender que na visão de João no Apocalipse ele descreva a revelação de um dos sete anjos que têm as sete taças cheias dos últimos sete flagelos dessa forma “Vem, mostrar-te-ei a noiva, a esposa do Cordeiro” (Apocalipse 21:9) e ao descrever a cidade santa diria João: “E nela não vi templo, porque o seu templo é o Senhor, Deus Todo-poderoso, e o Cordeiro” (Apocalipse 21:22).
A igreja nascida aos pés de Jesus não teve o seu primeiro templo antes do IV século, curiosamente no momento em que surgiram várias heresias no seio da Igreja cristã. Até ali a imagem da Igreja era a do povo (por um lado) disperso, espalhado, e reunido de casa em casa, por outro (Atos 2:46). A imagem mais forte de uma Igreja do Novo Testamento não é a do templo, mas da reunião em casa (Romanos 16:5, I Coríntios 16: 19, Colossenses 4:15, Filemon 2).
Não é saudável a confusão do templo com a Igreja, do prédio com o povo, da reprodução da noção pagã de lugar santo, e a sugestão de que só é possível adorar genuinamente num templo. Tal visão da Igreja é que gera o estímulo de uma vida dupla, uma no templo e outra no mundo, uma no templo e outra em casa!
As portas dos templos podem e devem ser fechadas oportunamente e por razões de segurança, como ocorre normalmente fora dos “horários de cultos”. Veja que com isso procuramos não deixar qualquer brecha para ladrões e malfeitores, pelo contrário! Mas na verdade, verificamos com tristeza que, historicamente, algumas “brechas para o inimigo” foram abertas exatamente enquanto as portas do templo estavam abertas...
Enquanto houver “dois ou três reunidos” em nome de Jesus (Mateus 18:20) seja nos templos, seja nas casas ou em qualquer lugar (guardadas as devidas proporções), aí estará a Igreja reunida, santa, templos do Espírito Santo, cultuando e louvando ao Deus bendito e proclamando o Evangelho da salvação. Ele mesmo disse que estaria conosco até a consumação dos séculos. E aí podemos tentar imaginar como seria diferente se tivéssemos sempre a consciência plena de que Ele está conosco de fato, da mesma forma que esteve ao lado dos Seus discípulos durante aqueles três anos em que viveu entre nós, em carne e osso.
Você conseguiria se imaginar como um dos discípulos seguindo a Cristo durante aqueles três anos? Todas as manhãs você se levantaria imaginando que milagre incrível veria naquele dia. O que pensaria ao beber o vinho que era água alguns minutos antes, agora mais saboroso que o vinho envelhecido por décadas? Que maravilhoso vê-lo curar um homem nascido cego! O que pensaria ao vê-lo alimentar mais de cinco mil pessoas com apenas o conteúdo da lancheira de um menino? Imagine comer um peixe que nunca nadou ou um pão fresquinho e quente que nunca foi ao forno. Imagine a sensação que teria ao vê-lo andar sobre o mar mais rápido que um barco com doze homens, muitos deles  pescadores profissionais, se esforçando nos remos. Você o teria visto acalmar uma tempestade com apenas uma ordem e impor as mãos sobre um homem com lepra, apenas para vê-o curado imediatamente. Você o teria visto levantando alguém da morte, bem depois de o corpo ter-se tornado rígido e deteriorado.
Imagine, então, que um dia Ele lhe dissesse: “Estou indo embora, mas é bom para você que eu vá”. O que pensaria? Como responderia? Como Pedro, você tentaria corrigi-lo? Estar com Jesus foi de longe a melhor coisa que acontecera na vida desses homens. Como poderia ser melhor para eles que Jesus partisse? Ele então diz: “Mas eu lhes afirmo que é para o bem de vocês que eu vou. Se eu não for, o Conselheiro não virá para vocês; mas se eu for, eu o enviarei. Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (João 16:7,8).
Quando consideramos essa declaração de Jesus, devemos fazer três perguntas importantes para entender o significado do Seu plano.
Primeiro: antes de Jesus nascer, onde as pessoas precisariam ir para ter acesso direto ao santo Deus de Israel? A resposta é: no Templo, no Santo dos Santos, onde apenas um homem podia entrar, uma vez por ano.
Segundo: quando Jesus andou por este planeta, onde as pessoas teriam de ir para estar na presença de Deus? Onde Jesus estivesse, fosse na costa da Galiléia, em um barco, ou em um passeio à meia-noite.
Terceiro e último: depois da morte, sepultamento, ressurreição e ascensão de Jesus ao céu, e finalmente, do Pentecoste, onde as pessoas precisariam ir para estar na presença do Deus Todo-poderoso? Onde o Seu povo estiver, ali estará a presença do Deus santo! (Mateus 28:20). Esse é o rico prêmio que veio junto com o preço incrível da cruz. Jesus morreu para que aqueles que crêem possam ir a qualquer lugar com o poder e a presença de Deus. Podemos encontrar a presença de Deus no sul da Califórnia, mas ao mesmo tempo Ele está presente com os seus filhos reunidos em Chicago, no Cairo, no Rio de Janeiro e Pequim. Agora o Reino de Deus pode entrar em todos os bairros de todas as cidades de todas as nações simultaneamente. Na mente de Jesus, essa verdade era tão preciosa que Ele estava pronto a morrer por ela. Deveríamos nos agarrar a isso com essa mesma convicção e cuidado.
O plano de Jesus era descentralizar, e Ele pagou um alto preço para tornar isso possível. Precisamos redescobrir o poder de um movimento de descentralização que tenha o poder distribuído para todas as partes, de forma que possa imediatamente gear vida nova. O plano de Jesus era genial. Não o negligencie nem opte por outro. Dê mais uma olhada no que Ele fez e no que Ele tem para nos oferecer.
A nova aliança, estabelecida com o próprio sangue de Jesus derramado com o sacrificio, era para liberar a descentralização da nação de sacerdotes que iria multiplicar e preencher a Terra com a sua presença. Ezequiel 37:26-28 diz: “Farei uma aliança de paz com eles; será uma aliança eterna. Eu os firmarei e os multiplicarei, e porei o meu santuário no meio deles para sempre, Minha morada estará com eles; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo, Então, quando o meu santuário estiver entre eles para sempre, as nações saberão que eu, o Senhor, santifico Israel”.
Jesus sofreu uma morte horrível para aposentar o sistema antigo e estabelecer um novo. Ele rasgou de cima a baixo ao véu entre Deus e o homem, removendo a separação que existia entre Deus e Seu povo. Ele estabeleceu uma nova nação de sacerdotes (I Pedro 2:8, 9) para cobrir a Terra com Seu poder, Sua presença e Sua glória.
Por que então trabalhamos tão arduamente para restabelecer as velhas maneiras, com construções centralizadas, sacerdotes centralizados e constantes ofertas para saciar o sistema? Deus vive no seu povo! Nós somos o seu templo, todos nós, do menor ao maior (I Coríntios 3:16; 6:19). Nossa esperança de glória não está nos prédios que usamos, mas na presença do Mestre que está construindo sua vida em nós. Como Paulo escreveu: “Cristo em vós, a esperança da glória” (Colossenses 1:27). O mundo não está impressionado com as nossas casas sagradas de adoração; na verdade, outras religiões têm construções até mais bonitas. Devemos deixar que se veja algo que não se pode reproduzir: uma nova vida em Cristo. Uma alma transformada... isso é algo que o mundo não pode realizar e está morrendo de vontade de ver!
Jesus pagou um alto preço para que Seu povo tivesse a liberdade de sua presença em todos os lugares. Precisamos resistir ao magnetismo sedutor de construções glamurosas e sistemas hierárquicos de religião que nos prendem a um lugar e a uma forma de igreja que não pode espelhar a glória dele ao redor do planeta. Reconheçamos, mais uma vez, a beleza da nova aliança: uma nação descentralizada de sacerdotes trazendo a presença de Cristo a todo o mundo. Todos nós que somos filhos de Deus fomos libertados e recebemos poder para espalhar a sua glória em todos os lugares. Somos chamados para levar a presença Dele aos cantos sombrios das pessoas perdidas em nosso mundo.
Cristo em você, é a esperança da glória.
  
Primeira parte baseada no artigo original “Igreja de portas fechadas?” (Pr. Josué Mello Salgado), publicado no boletim dominical da Igreja Memorial Batista de Brasília, em 30 de outubro de 2011
Segunda parte transcrição do cap. 3 do livro “Igreja Orgânica”, de Neil Cole

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