domingo, 20 de março de 2016

Candidatos à função de pastor

Certa denominação resolveu examinar alguns candidatos a pastor, e elaborou um resumo do currículo de cada um para apreciação do colegiado e para a escolha daquele que mais se encaixava no perfil desejado. De todos os candidatos examinados pelo comitê de seleção, apenas um reunia as qualidades necessárias. Tivemos acesso à lista dos candidatos, que contém os nomes e comentários sobre cada um deles.

O primeiro candidato passou muitos anos como evangelista, mas foi um grande fracasso. Suas pregações foram completamente ignoradas pela comunidade. Não conseguiu nenhuma conversão a não ser as sete pessoas de sua própria família. Chama-se Noé.
Este outro parece ter muita fé, mas consta que fugiu para o Egito em épocas difíceis. Soubemos que ele teve problemas com as autoridades e mentiu para tentar se safar. Mesmo sendo casado, teve um filho com sua empregada doméstica, e depois a mandou embora com o garoto. Fala-se que é muito rico, mas só deu o dízimo uma vez na vida, e ainda assim de bens saqueados em uma guerrilha. Consta que até trocou de nome, de Abrão para Abraão.
O terceiro candidato gagueja demais e sua antiga congregação diz que se irrita facilmente com fatos triviais, talvez por ter sido levado para adoção quando era recém-nascido. Apesar de ter tido boa educação, chegou a ser procurado pela polícia. Em sua ficha criminal foi acusado de homicídio, ocultação de cadáver e evasão, tornando-se um foragido da justiça local. Talvez por isso tenha relutado muito ao iniciar seu ministério, e mesmo assim com a ajuda do irmão. É conhecido como Moisés.
O quarto candidato poderia até ser considerado para ministro de louvor, se não fosse ex-chefe de gangue. Sabe-se que fugiu ao ser procurado pelas autoridades, escondendo-se com uma turma de desajustados em local desconhecido. Gosta muito de tocar instrumentos e cantar, pois tem um dom para a música e poesia. Mas é mulherengo, e apesar de ter tido várias esposas, já caiu em adultério, seduzindo uma mulher casada. O pai de sua primeira esposa não quer vê-lo nem de longe. Costuma sair dançando pelas ruas descontroladamente, o que causa escândalo em algumas pessoas. Davi é o nome deste rapaz.
O quinto tem uma reputação de ser sábio, mas falha ao não praticar o que prega. É autor de três livros. Mas é outro mulherengo, já que se casou  várias vezes. Embora seja um exemplo de prosperidade e tenha patrocinado pessoalmente a construção de um belo templo na cidade, tem uma certa queda pelo ecumenismo, pois andou frequentando eventos e cerimônias de outras denominações. Chama-se Salomão.
Este aqui diz que é batista, mas se parece mais com um hippie, e seu estilo de vida alternativo tem causado espanto. Usa roupas de couro. Consome apenas alimentos orgânicos e naturais. Não tem papas na língua, e envolveu-se em problemas políticos ao criticar a vida íntima de certas autoridades que desde então querem prendê-lo. É filho de um sacerdote, mas estranhamente prefere viver isolado, longe de todo mundo. Seu nome é João.
O candidato número sete é carismático e bom pregador. Mas tem se mostrado inconstante e é sabido que não resiste quando é pressionado, pois cai em depressão e vive fugindo e se escondendo. Não é muito bom em negociações, pois é muito radical e não aceita meio termo. Alguns o classificam como rude. É um tesbita, Elias. 
A vida familiar do oitavo candidato é uma bagunça. Primeiro, casou-se com uma mulher de reputação duvidosa. Então, sem nenhum aviso, separou-se dela para logo depois casar-se novamente. Este candidato chama-se Oséias. 
O nono é muito emotivo e alarmista. Alguns o consideram um verdadeiro reclamão, pois é de um pessimismo incomparável; vive se lamentando, ao ponto de seus compatriotas tentarem livrar-se dele. Outros apostam que ele sofre de depressão crônica. Chama-se Jeremias.
O décimo candidato tem um péssimo temperamento, é inconstante e diz-se até que ele já negou a fé publicamente. Extremamente impulsivo, certa vez agrediu um rapaz e chegou a cortar-lhe a orelha durante a confusão. Já foi visto nadando nu e fazendo churrasco de peixe na praia à noite. Pedro é seu nome.
Ao décimo-primeiro falta um pouco de tato. Ele é muito severo. Sua aparência é adequada, mas suas cartas são complicadas e suas pregações muito longas. Certa vez um garoto dormiu enquanto ele pregava e caiu da janela. Quase todo lugar que visita tem um tumulto. Por sua causa os comerciantes de uma grande cidade fizeram uma manifestação que só acabou com a chegada da polícia. Chegou a brigar com um colega de pastorado e separou-se de outro missionário que sempre o acompanhava no início do ministério. Parece que seu desejo mesmo é ir para a Espanha, mesmo sofrendo de uma enfermidade crônica. Chama-se Paulo de Tarso.
O número 12 é oriundo de uma vida rural. Não tem experiência em pregação, e talvez se saia melhor como boiadeiro e colhedor de figos nas fazendas do interior. Chama-se Amós.
Este rapaz, que aparece com o número 13, é saudável e corajoso, não bebe vinho nem na ceia, mas se recusa a cortar o cabelo e não pode ver um rabo-de-saia que cai em pecado imediatamente, mesmo já tendo sido juiz. Todos sabem do seu envolvimento com as mulheres da região. Comprou briga com os parentes de sua esposa logo na festa de casamento, por causa de uma aposta, e a união fracassou. Deu prejuízo às comunidades vizinhas, ao arrancar um dos portões de uma cidade. Também foi acusado de vândalo e incendiário, pois certa noite tocou fogo na plantação de uns desafetos. Esse Sansão é, de fato, um criador de caso, um brigão.
O candidato número 14, Timóteo, foi criado no Evangelho e até que tem potencial, mas ainda é muito jovem para um cargo de tamanha responsabilidade, mesmo tendo sido aconselhado por um missionário bastante experiente.
O 15º tem uma tendência a ofender os membros da igreja em suas pregações, principalmente os eruditos das Escrituras. Ele é muito controverso. Inclusive, chegou a ofender o comitê de seleção com suas perguntas diretas e incisivas. Apesar disso, já foi visto em festas conversando com fornecedores de vinho, cobradores de impostos, e até com prostitutas. Não gosta de respeitar os feriados religiosos nem os costumes tradicionais da nossa amada convenção. 
Também pesa contra ele uma reclamação por ter causado tumulto no maior templo da cidade, ao atrapalhar os profissionais que trabalhavam no caixa: parece que chutou os balcões, espalhou as mercadorias e agrediu os funcionários com um chicote! Consta na sua ficha que morou em Nazaré, mas nem seus irmãos acreditavam nele. Costuma pegar coisas emprestadas, como o burrico em que montou ao chegar à cidade e um salão para se reunir com os seus seguidores. Não tem nem mesmo um travesseiro para se reclinar à noite, como ele mesmo confessou. Viveu um bom tempo às custas de doações de amigos ricos. Seu nome é Jesus.
Finalmente, o candidato 16 parece ser muito prático e cooperativo. Veste-se bem, é bom com finanças e planejamento, sabe negociar, preocupa-se com os pobres e com a caridade. Além disso, tem um bom relacionamento com as autoridades. Nossa federação, depois de uma série de debates e de uma bem conduzida votação, chegou à conclusão unânime de que ele é o homem que estamos procurando para este cargo de pastor da nossa denominação.

Ele se chama Judas.


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