segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Entre a Fé e a Razão: um tanto de Filosofia e outro tanto de Teologia

Como comentamos antes (http://doa-a-quem-doer.blogspot.com/2009/07/ateu-admite-africa-necessita-de-deus-e.html), o Cristianismo é baseado no relacionamento do Homem com o Divino, que lhe é superior e sobrenatural; mas isto o homem “racional” não admite, como o padre Quevedo, que a tudo responde: “isto non ecziste!”.
Cientistas de todos os matizes e tendências, grosso modo, refletem essa estreiteza de pensamento (há exceções, evidentemente, mas são raras). No entanto, há duas explicações para tal comportamento: uma racional, e uma espiritual.
A racional primeiro, doa a quem doer. A “intelligentsia” ocidental foi, em grande parte, moldada pelo racionalismo do século XVIII – Rousseau e Voltaire, dentre outros (por sua vez influenciados pelo pensamento grego, principalmente a lógica aristotélica). Lembremo-nos de que o Homem buscava se livrar da herança medieval, e impulsionado pelas idéias do Renascimento, ressaltar seu papel na História e fugir de toda e qualquer referência a Deus e ao sobrenatural. Só valiam as experiências objetivas, racionais, empíricas. De fato, isto fomentou a pesquisa e o desenvolvimento de técnicas e ferramentas que trouxeram progresso a algumas partes do mundo e o incremento do comércio; e consequentemente a exploração de segmentos da população por outras, o colonialismo, etc. No campo das idéias, no “século das luzes” cresceram os ideais republicanos e democráticos, a declaração dos direitos do Homem, o conceito da liberdade etc. Mas sem o fiel da balança (a Lei de Deus), a democracia virou o Terror, a liberdade virou libertinagem e a moral virou “amoralidade”. Sade escreveu: “se o Homem é, o que quer que seja, é certo”. Vale tudo. “Tudo é relativo”, dizem hoje. “O que é pecado para você, não é para mim”. Como na primitiva Canaã: cada um fazia o que queria (Juízes 17:6 e 25:21).
Kant tentou harmonizar o mundo naturalista/físico com o que ainda restava de espiritualidade: ele entendeu que o Homem não poderia ser uma criatura saudável sem seu lado espiritual; o ensino bíblico de que o Homem foi criado com corpo, alma e espírito, nitidamente distintos – coisa que os naturalistas não entendem. Freud, com sua idéia de id, ego e super-ego, chegou perto do conceito bíblico do homem tricotômico; mas confundiu as manifestações da alma com as do espírito. Kant anteviu esse erro filosófico: não há como conceber uma natureza autônoma, independente; o espírito, a graça, Deus, e por fim a própria liberdade perdem o sentido. A liberdade torna-se sua própria antítese, a não-liberdade, pois o Homem agora é escravo da natureza – eis aqui o determinismo que vai parir o Darwinismo, a Psicanálise e o Espiritismo.
Hegel então aparece propondo que, em vez de conceber o mundo como tese x antítese, devíamos raciocinar em termos de tese + antítese = síntese, antecipando a dialética marxista. Mas a síntese hegeliana também é falha enquanto campo unificado do conhecimento, porque continua apoiada na independência do Homem em relação a Deus. Falta o verdadeiro conhecimento que o Homem racional despreza. E embora Descartes houvesse teorizado sobre o “dualismo psicofísico” (a distinção e a interdependência entre corpo e mente), em Kierkegaard há o rompimento final entre o espaço natural/racional e o espiritual. É como uma casa de dois andares: no de baixo, racionalidade e lógica, no de cima, o não-racional e o não-lógico. Não há comunicação entre os andares. No andar de baixo, a matemática, a mecânica, sem significado, sem propósito, sem sentido, apenas o pessimismo e a morte. Até Deus está morto. Só é possível sair desse desespero por breves instantes, via drogas ou hipnose, como propagaram Jung, Leary e Burroughs. E aí surge o existencialismo de Sartre, Camus e Heidegger, dentre outros. Note que por falta de espaço pulamos Nietzche, a morte de Deus e a ascenção do Super-Homem (não o kriptoniano, mas os semi-deuses que vão inspirar a “supremacia ariana” de Hitler). O fato é que toda essa confusão está no andar de baixo; em cima, no nível não-racional, não-razoável, estão a fé e a esperança.
Os cientistas, de modo geral, habitam no andar de baixo. Não conseguem sequer imaginar que há um andar acima deles. Não podem. Quando se tenta abrir um túnel, ainda é com base na racionalidade: o espiritismo é uma tentativa nesse sentido, posto que é, na verdade, uma pseudo-ciência, uma adaptação tosca da teoria da evolução à teologia. A única ligação possível entre esses dois mundos é Cristo. Só Ele pode restaurar a ruptura entre o mundo natural (incluindo-se aqui a alma do Homem) e o mundo espiritual. Quando se rejeita esse Caminho, surgem as “alternativas”: misticismo, meditação, reencarnação e outros “atalhos”.  
Agora entramos na segunda explicação, a espiritual.
Esta parte vai ser difícil para os racionalistas.
Para alguém acostumado a pensar de forma rarefeita (não só do ramo das exatas, mas também das ciências sociais) é difícil mudar o mecanismo mental. O apóstolo Paulo já havia notado isto: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente... Porque a sabedoria deste mundo é loucura para Deus” (I Coríntios 2:14 e 3:19).
O mundo crê que o Cristianismo é uma entre muitas religiões e, como tal, uma quimera, uma ilusão em uma existência cheia de sofrimento. Como disseram Feuerbach, Hegel e Marx, uma forma de alienação, donde “a religião é o ópio do povo” (discutiremos isso depois). Mas o Cristianismo não é uma religião, não é dogma; é relacionamento. Como disse alguém, “conhecer a história de Cristo não é o mesmo que conhecer o Cristo da História”. E então caçoam da velha narrativa do Gênesis (que para eles é apenas um mito):
A serpente aparece a Eva, cheia de conversa: "É verdade que Deus falou assim e assado?"... e põe Deus sob suspeita. Eva cai na lábia e ainda acrescenta coisas que Deus não falou. A serpente então diz que o mundo não é bem assim não, que Deus está escondendo o jogo. Mas ela, a serpente, tem a resposta: basta desobedecer a Deus e seguir o atalho alternativo para ser como Ele, o rei do pedaço. Eva topa, e o resultado já sabemos.
Assim caminha a Humanidade desde então. Ao desprezar o relacionamento com Deus, fechou a comunicação com o andar de cima, e ainda está na mata fechada à procura do caminho perdido[1]; ainda não percebeu que precisa aceitar a ponte que Deus providenciou, por meio da morte e ressurreição do Filho. Só Ele pode restaurar a harmonia de um mundo sem Deus, reunindo novamente o corpo, a alma e o espírito do Homem renascido com um planeta restaurado e com o Criador.
Mas, presos à grossa corrente de ferro que nos liga ao andar de baixo, não dá para crer nisso. O tecnicismo nos impede de ultrapassar reino, filo, classe, ordem, família, gênero, espécie e subespécie... A cobra é chordata, reptilia, squamata, sem patas, pecilotérmica, algumas ovíparas, mas nenhuma possui laringe e cordas vocais capazes de transmitir sons inteligíveis aos mamíferos bípedes, primatas, vivíparos... É como a pregação de Noé aos antediluvianos ou a de Paulo aos atenienses: chega um ponto em que os intelectuais dizem: “O quê? Tá doido? Chega, outro dia a gente continua”. É muito para eles: “...o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura”. Ou, como disse Kierkegaard, “a fé é um escândalo para a razão”.
Se insistirmos em ficar no andar de baixo, não há esperança.
Só átomos girando desvairados à espera de que um acaso passe a lhes dar algum sentido.
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[1] Dante, “A Divina Comédia, Inferno I :1,2