Nas
férias tive a oportunidade de conhecer um dos lugares que sempre me fascinaram,
a torre inclinada de Pisa.
Trata-se
de um conjunto arquitetônico impressionante. Como se sabe, há uma grande
catedral (chamada de “il duomo”), um
outro prédio separado chamado batistério (pois na época os não-batizados na fé
católica não podiam entrar no templo, e assim batizava-se as pessoas fora do
templo), e a estrutura mais conhecida e emblemática, o campanário ou torre. Geralmente
a torre fica junto à nave das igrejas, mas em Pisa fica bem separada. A
construção da torre começou em 1173, e poucos anos depois começou a se
inclinar, motivo pelo qual tudo parou. Depois,
como se sabe, houve várias paradas e retomadas na construção, que levou cerca
de um século, com posteriores e constantes tentativas de estabilização. Na
última batelada de reforços estruturais, aproveitaram e fizeram uma faxina
geral, com a limpeza de todo o mármore que recobre o conjunto. Ficou uma
beleza, a brancura até dói nos olhos. Mas hoje em dia, Pisa ainda é uma dor de
cabeça constante para os historiadores, arqueólogos e amantes da arte em geral,
pois é quase certeza que mais dia, menos dia, ela cairá, não obstantes os
esforços para estabilizá-la. As projeções mais otimistas dizem que ela está
garantida pelo menos por mais uns 200 ou 300 anos.
Você pode
obter mais informações depois, mas só para ilustrar, enquanto num dos lados o
fosso ao redor da torre tem cerca de 1m de profundidade, do outro lado isso quase
dobra! Veja essas fotos que fiz lá, aqui ao lado.
Vendo
tudo isso, não tive como não pensar na Igreja, a espiritual, nos seus fundamentos
e no seu crescimento. Formada por pedras vivas (cf. I Pedro 2:5), é um edifício
vivo, que vai crescendo dia após dia, até que seja colocada a última pedra. Aí
ela estará pronta para ser levada deste planeta para se encontrar com Seu
Senhor.
Jesus
disse em Mateus 7 e Lucas 6 sobre a casa construída na rocha e a casa
construída sobre a areia. Sabemos que a Igreja foi erguida sobre a rocha, e
essa rocha, por mais que os católicos teimem em dizer que é Pedro (com base na
interpretação equivocada de Mateus 16:18), ou outra coisa qualquer, essa rocha
é o próprio Jesus Cristo. O apóstolo Pedro mesmo tratou de acabar com qualquer
dúvida a respeito (I Pedro 2:3-4, 6-8).
Mas voltando
à igreja/templo de Pisa, e sua torre inclinada, é preciso pensar se nós, como
Igreja viva, não estamos também meio “fora do prumo”. É como se Deus tivesse
planejado uma grande casa, e nós, as pedras, nos metemos a pedreiros. Cismamos
de nós mesmos dar uma arrumada aqui, fazer um puxadinho ali, e com isso o
prédio foi entortando até ficar como a torre de Pisa, parece que vai cair a
qualquer hora. O que teria feito com que esse edifício magnífico, planejado e
construído por Deus, ficasse assim entortado para um lado?
Fiquei
pensando nos muitos desvios que nós, homens falhos, sujeitos ao erro o tempo
todo, introduzimos no projeto original do Grande Arquiteto (não sou maçom não,
viu? É que acho bacana essa expressão, com base em Hebreus 11:10).
O livro
de Atos relata os primórdios da construção do edifício. Jesus havia feito a
fundação principal. Os apóstolos iam colocando os fundamentos, recebidos
diretamente do Senhor, conf. Efésios 2:20 e I Coríntios 3. As epístolas foram
formando o corpo doutrinário, as regras de comportamento, o proceder no culto,
explicando os dons que o Espírito ia dando aos salvos. E assim o projeto foi sendo
executado, cabendo a cada uma das pedras vivas fazer o seu trabalho, que está
bem claro em Mateus 28 e Marcos 16: pregar o Evangelho, batizá-los, fazer
discípulos (não para si, mas para o Senhor), para que essas novas pedras fossem
sendo agregadas ao edifício até que ele seja completado.
Mas nós
começamos a inventar moda, tão logo os apóstolos foram deixando este mundo.
Primeiro, achamos que era muito fácil fazer parte da Igreja, e aí, bem no
início, inventamos que todo mundo tinha que seguir as leis mosaicas. Já em Atos
15 vemos os apóstolos dispensando as novas pedras de seguirem tais leis, mas em
Gálatas percebemos que o assunto insistia em voltar, com Paulo lutando para
ensinar ao povo que isso era um jugo inútil.
Depois,
continuamos a criar puxadinhos: vieram as velas, os santos, o purgatório.
Depois as missas e seu ritual cada vez mais complicado; surgiram as gambiarras
do rosário, as missas de sétimo dia, de trigésimo dia, a hierarquia de bispos,
cardeais, papas.
Após algum tempo, tentou-se fazer uma reforma no prédio. Lá pelo século XVI, Lutero,
Calvino e outros reformadores fizeram uma baita faxina e jogaram fora várias
caçambas de entulho. O prédio ficou com uma cara nova, limpa, mais clara, sem
fumaça de velas e incenso. O prédio ficou rebrilhando como a torre de Pisa está
hoje. Os bibelôs de porcelana foram catapultados pelas janelas e se espatifaram,
mas... alguns entulhos permaneceram escondidos. Talvez alguns ficassem com pena
de jogá-los fora e resolveram guardá-los. Assim continuou morando no prédio o
sacerdócio profissional, alguma hierarquia e uma grande devoção à estrutura
física dos templos em si.
Tanto que até hoje se confunde igreja/templo com Igreja
espiritual; e quando se ousa dizer que não há necessidade de templo físico,
quase começa uma terceira guerra mundial.
Em todo
caso, a construção continuou subindo, agora com menos desvios; mas ainda os
havia.
Quando
chegamos ao final do século XX, a proliferação dos meios de comunicação, a
globalização e a democracia fizeram o seu trabalho. De repente, todo mundo
passou a se achar arquiteto, verdadeiros Niemeyers formados por
correspondência, pela Internet e em “faculdades teológicas” de quinta
categoria.
O sujeito que mal sabe escrever uma redação de colégio agora se
torna pregador ungido, e começa a construir o seu próprio puxadinho. O do lado,
para não ficar para trás, faz um puxadinho com mais janelas, e o outro faz o
seu com menos janelas, mas janelas mais compridas e coloridas. Vários estilos
surgem: janelas tradicionais, outras mais “modernas”, orientadas por novas
“visões”, de acordo com o “novo de Deus” (me dá medo esse “novo de Deus”. O Projeto
de Deus é o mesmo, não muda, por isso, sei lá se Deus anda fazendo “novo de
Deus”). Outros puxadinhos têm todo o jeitão de sinagoga, o pessoal lá usa tallith, kippah e toca shofar; tem
sacerdote, levitas, até arca da aliança tem (assim mesmo com letra minúscula, já
que costuma ser não de madeira de acácia revestia de ouro, como diz o
mandamento, mas de papelão pintado com tinta guache). Celebram as festas de
Israel (só não sei como ainda não adotaram a circuncisão, mas aposto que é
questão de tempo). Esses puxadinhos até têm nomes pomposos na porta: “templo de
Salomão”, “congregação mundial”, “catedral universal”, “paróquia monumental”
etc.
Outras
gambiarras copiaram o estilo dos que habitavam essas paragens antes de ser
iniciada a construção do nosso edifício: assim é trouxeram o pagode gospel, a balada gospel, o funk gospel e qualquer-outra-coisa-com-nome-gospel. É
como se Salomão, ao iniciar o culto no templo de Jerusalém, resolvesse usar os
ritmos e roupas dos filisteus, amonitas, moabitas e amalequitas, para manter os
israelitas sempre atualizados com a concorrência e sempre entretidos com as
novidades.
O pessoal
de Roma, que começou com os acréscimos ao projeto original, agora dá uma de
santinho e diz que não precisam de mais nada; afinal, dizem, têm seu próprio
“puxadão”, tão esquisito que deve ser, de fato, um outro prédio, já que suas
fundações são outras. Nada mais têm que lembre o projeto original, embora
insistam que só eles seguem a planta à risca. Precisam de óculos, e de lente
bem grossa.
E assim,
de puxadinho em puxadinho, o prédio começou a se inclinar, como a torre
italiana. Ele está firmado na rocha: não vai cair. Mas o prumo, que deveria
apontar para o zênite, agora aponta para outro lugar. Não está indo na direção
certa.
O que
fazer?
Em Pisa,
os técnicos chegaram à conclusão de que o terreno é, em termos leigos, “fofo”
demais. Há também infiltração de água no subsolo, o que faz com que o peso da
estrutura, apoiada em parte sobre a camada “fofa”, se incline. Os engenheiros e
arquitetos explicarão melhor, mas em resumo é isso. Fizeram então grandes e
constantes reforços na base, injetando concreto e outras coisas para
estabilizar a construção; quanto tempo isso vai funcionar, não se sabe.
Mas com a
Igreja isto não é possível. Não se pode colocar outro fundamento (cf. I
Coríntios 3:11). O fundamento está lá, beleza, imutável, firme para sempre.
Nele não se mexe. O que precisamos fazer para devolver a nossa “Torre” à
posição correta, inicial, a que foi projetada desde a Eternidade?
Minha opinião
é que devemos abrir de novo as plantas que o Arquiteto deixou. Vamos reler o
Manual que Ele escreveu. Vamos ver se o que estamos pendurando no edifício
estava no projeto original: se não estiver, sinto muito, mas arrancamos e
jogamos fora, e doa a quem doer.
Alguns
exemplos de penduricalhos inúteis:
Hierarquia. Devemos ser submissos a líderes
que se arvoram em infalíveis? Líderes que não admitem serem contestados, mesmo
quando sua conduta é incompatível com a de um verdadeiro discípulo de Cristo?
Líderes que enriquecem a olhos vistos, que sugam seus seguidores financeira e
emocionalmente? Líderes sob cuja “cobertura” todos devem permanecer, pois se
saírem são anatematizados?
Sacerdócio
profissional.
Devemos sustentar sacerdotes? Ou devemos assumir nosso papel individual de
sacerdote perante Deus, de acordo com I Pedro 2:5, 9?
Judaísmo. Devemos retornar a costumes há
muito abolidos, que pertencem à velha e obsoleta aliança (cf. Hebreus 8:13)?
Devemos nos submeter a ordenanças que não foram destinadas a nós, Igreja, e sim
a Israel? Devemos “dizimar”, mesmo que o Novo Testamento nos diga que devemos
contribuir voluntariamente segundo Deus colocar em nosso coração (II Coríntios
9:7)? Devemos ter levitas no culto, mesmo sabendo que o velho sistema foi
extinto? Devemos ter “adoração profética”, “dança profética”, tocar o shofar, mesmo tendo a orientação de que
nosso culto deve ser apenas com “hinos, salmos e
cânticos espirituais”, “com ação de
graças” (Efésios 5:19; Colossences 3:16)? Devemos derramar óleo
na cabeça dos outros como se isso transmitisse algum poder? Mesmo a Bíblia
dizendo que o óleo deve ser usado apenas nos casos de doença? Mesmo sendo a
unção com óleo de uso exclusivo dos sacerdotes do Velho Testamento, cf. Êxodo
30:22-38. Mesmo sabendo que não precisa ungir ninguém para receber o Espírito,
cf. I Coríntios 6:19; II Coríntios 4:13
e 12:18; e II Timóteo 1:14?
Obras. É um
tal de “pagar o preço”, “quebrar as maldições”, “fazer corrente” disso e
daquilo outro, fazer curso de discipulado, fazer clínica espiritual, “raspar a
cabeça para pagar voto”, “fazer ato profético”, passar por ritual de libertação
– mesmo que já tenha feito tudo isso antes, tem que fazer de novo este ano...
que não se pode ter mais certeza de ter cumprido todas as obrigações para ter
direito ao céu. A cada dia surgem mais tarefas a cumprir, mesmo que Jesus tenha
dito que tudo já está consumado. Está mais pesado que a Lei de Moisés. Usam
textos fora de contexto, como Mateus 24:13 e Apocalipse 2:10, para manter o
pessoal “na linha”, como se a minha salvação dependesse da minha perseverança,
e não o contrário.
Tem mais um monte, mas o espaço é curto.
Veja você se encontra mais puxadinhos por aí.
Quem sabe se um dia conseguimos acabar com todos eles,
descartando todo esse entulho, para que o prédio desentorte?144172