
Prossegue a crítica: a Bíblia estaria “de capa a capa, recheada de erros, barbaridades científicas, contradições e incongruências, os quais os ‘harmonistas’, sem nunca quererem admití-los, tentam contornar a qualquer custo para sustentar seus dogmas e crenças, com manobras e explicações mirabolantes e desonestas”. E dá como exemplo:
I Coríntios 15:5, com relação à ressurreição de Jesus, Paulo diz: “que apareceu a Cefas, e depois aos doze”. Os
céticos afirmam que, com a morte de Judas e antes da eleição de Matias,
restaram apenas onze, o que seria um erro humano de Paulo, fato que tira da
Bíblia a qualidade de ser a Palavra infalível de Deus. Ora, essa é de uma
infantilidade tal que nem deveria ser levada a sério. Mas eu levo a sério e
digo que nos relatos não apenas se fala em onze, como também em 13 discípulos e
pelo menos uma vez em dez discípulos – e nem por isso há contradição.

Em outra parte a Bíblia diz que Jesus apareceu a dez discípulos, que foi quando Tomé
estava ausente (devia estar procurando divergências na Torá e por isso perdeu a
chance de se encontrar com o Cristo ressurreto). Judas havia se suicidado e
Matias ainda não fora escolhido. E uma vez Jesus apareceu a pelo menos treze
discípulos: os onze originais, sem Judas e com Tomé presente, mais os dois do
caminho de Emaús, e ainda “outras pessoas” (provavelmente “não-apóstolos”): “E na mesma hora levantaram-se (os dois
discípulos que vinham de Emaús) e voltaram para
Jerusalém, e encontraram reunidos os onze e os que estavam com eles”
(Lucas 24:33). E se Matias estivesse presente (“os que
estavam com eles”), Jesus teria aparecido “aos doze” (onze mais
um), mais os dois de Emaús, e então seriam 14 discípulos... Em todo caso, o
intuito de Paulo, na carta aos Coríntios, não é fazer acareação ou
contabilidade do número de testemunhas.
A resolução desta aparente contradição passa pela seguinte regra de
interpretação, já elencada anteriormente (princípios gramaticais): interprete
as palavras no sentido que tinham no tempo do autor; e interprete a passagem em
harmonia com o seu contexto. O que ele está dizendo nesta carta se refere ao
ministério apostólico, e que todos os apóstolos testemunharam a aparição do
Cristo ressurreto. Por Cristo ter aparecido por último a ele, Paulo, ele mesmo
se considerava um “abortivo”, um apóstolo “temporão”. É isso que ele está
ensinando, não que os apóstolos eram 11, 12 ou 13.
Outro “erro bíblico” estaria em Atos 7:14, quando Estevão diz que “a parentela de José que desceu ao Egito era de 75 almas”.
Mas Gênesis 46:27 nos informa o número de setenta. Vejamos: Estevão diz “a
parentela”. O final da frase de Gênesis de fato diz “todas
as almas da casa de Jacó, que vieram para o Egito eram setenta”.
Agora por favor leia o versículo 26: “Todas as almas
que vieram com Jacó para o Egito e que saíram da sua coxa, fora as
mulheres dos filhos de Jacó, eram todas sessenta e seis almas”;
e agora o 27: “e os filhos de José, que lhe nasceram no
Egito, eram duas almas. Todas as almas da casa de Jacó, que vieram para
o Egito eram setenta”. Vamos ver isso direitinho. Guarde
essas expressões: “da casa de Jacó” e “que saíram da sua coxa”.
Todos os que foram de Canaã para o Egito, “que saíram da sua coxa”,
isto é, seus descendentes diretos, foram sessenta e seis. Fora as mulheres
dos filhos de Jacó, como está claro no texto. Quantas e quais eram essas
mulheres?

Vai somando aí: os filhos de Jacó (que é Israel), fora José (que obviamente
não estava na caravana que “desceu ao Egito”), eram 11.
Os “seus filhos” (isto é, os filhos dos filhos de Jacó, os netos) somam
48; com os 11 filhos de Jacó, temos 59.
Mais
quatro bisnetos (dois filhos de Perez e dois de Beria), 63.
Mais
as três mulheres sobreviventes de Jacó: Lia, Bila e Zilpa (pois Raquel já tinha
morrido), e temos 66.
Não
estão nessa lista a filha de Aser (Será, v. 17, contada à parte), Diná (também
contada em separado) e o próprio Jacó, o que dá 69. Falta um.
O verso 7 diz que foram com Jacó “os seus filhos e
os filhos de seus filhos com ele, as suas filhas e as filhas de seus filhos”,
mas só uma “filha de seus filhos” é chamada pelo nome: Será, filha de Aser (v.
17). Evidentemente havia outra neta de Jacó, cujo nome não está na lista; outra
possibilidade surge quando olhamos de novo o verso 15, e vemos que “todas as almas de seus filhos e de suas filhas”
(isto é, de Lia), e podemos entender que além de Diná, Lia teve uma outra
filha, cujo nome desconhecemos.

Essa alegada “discrepância” é facilmente entendida, pois Estevão diz: “a parentela
era 75”, e Gênesis diz que “os que saíram da sua coxa eram 66”, ou seja,
descendentes diretos. Entre a “parentela” existiam alguns que não eram
descendentes diretos, isto é, que “não saíram da sua coxa” (genros, noras
etc.).
Um pouco de aritmética do ensino fundamental resolve fácil essa “dúvida”.
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