Para que serve?
É bíblico?
Tenho sempre dito aqui que determinados mandamentos e ordenanças foram dados a Israel e não à Igreja; que certas práticas que temos visto hoje em dia estão deslocadas e não deveriam mais ser a norma do cristão.

Creio que a resposta a todas essas perguntas – e mais uma vez, a compreensão sobre a questão levantada anteriormente sobre o dízimo – está no entendimento do conceito teológico das dispensações.
Vamos tentar esclarecer isto em três capítulos, começando com este.
A palavra “dispensação” vem do substantivo grego oikonomá (oikos = casa; nomos = lei); normalmente traduzido como “administração” ou, por transliteração, “economia” (no sentido de gerir, administrar, supervisionar), cf. Lucas 16:1-13. “Dispensação” se refere, portanto, ao método divino de lidar com a humanidade e de administrar a Verdade em diferentes períodos de tempo. Ninguém consegue ler as Escrituras sem ver que Deus lida com o homem em algumas épocas diferentemente do que Ele lidou em outras. Compreender as diferentes “economias” ou administrações de Deus é essencial para uma correta interpretação da revelação de Deus na História.
Quanto ao número de dispensações, o mais comumente sugerido é sete, com cinco delas já passadas, uma na qual estamos agora vivendo, e mais uma que está ainda no futuro.
A palavra “dispensação” aparece várias vezes nas Escrituras, com o sentido de administração, a saber:
O verbo oikonoméiô em Lucas 16:2.
O substantivo oikonomos em Lucas 12:42 (mordomo); 16:1, 3, 8 (administrador); Romanos 16:23 (tesoureiro); I Coríntios 4:1, 2; Tito 1:7; I Pedro 4:10 (despenseiros); Gálatas 4:2 (tutores ou curadores).
O substantivo oikonomá aparece em Lucas 16:2, 3,4; I Coríntios 9:17; Efésios 1:10; 3:2, 9; Colossenses 1:25; I Timóteo 1:4.
No entanto, a palavra grega aion, que aparece no Novo Testamento cerca de cem vezes, geralmente traduzida “mundo”, “eternamente” ou “sempre”, é aceita comumente com o sentido de “era” ou “época”.
Vemos que antes do cumprimento de todas as coisas no grande programa de Deus, há só esta era atual e outra que virá:
“E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século (aion = época) nem no futuro (literalmente, ‘nem no vindouro’)”. (Mateus 12:32)
“Que não haja de receber muito mais neste mundo (kairos = tempo), e na idade vindoura (aion = época) a vida eterna”. (Lucas 18:30)
“Acima de todo principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século (aion = época), mas também no vindouro (de novo, literalmente ‘o vindouro’)”. (Efésios 1:21)
Aí se vê uma era ou dispensação presente e uma que está para vir.

As dispensações pressupõem algumas condições:
1 – há sempre duas partes envolvidas
2 – há responsabilidades específicas
3 – há prestação de contas
4 – podem ocorrer mudanças a qualquer tempo se for constatada infidelidade/irregularidade na administração
5 – os homens são responsáveis diante de Deus
6 – é exigida a fidelidade de ambas as partes
7 – a administração pode acabar a qualquer tempo
8 – há, provavelmente 7 dispensações, havendo alguma diferença no nome dado a cada uma, mas cada uma é claramente específica e diferente das demais.
Cada dispensação é caracterizada da seguinte forma:
1 – revelação distinta e clara do seu propósito e condições
2 – há possibilidade de falhas
3 – nesse caso, há sempre uma penalidade, como em um contrato, sob a forma de julgamento/juízo
4 – pode haver anulação de certos preceitos até então válidos
5 – pode haver introdução de novos princípios não válidos anteriormente
6 – pode haver manutenção de alguns preceitos antigos
7 – novo nível de revelação do plano de Deus (revelação progressiva)
8 – distinção entre os planos da Deus para Israel, para a Igreja e para as nações (I Coríntios 10:32 = Não vos torneis causa de tropeço nem a judeus, nem a gregos [cf. gentios], nem à igreja de Deus)
Para não estender muito descrevendo todas as dispensações nos mínimos detalhes, só gostaríamos de observar que muitas coisas foram dadas por Deus para instruir e preparar Israel a reconhecer o Messias quando Ele viesse, sendo, portanto, representativas do que ainda havia de vir. Conseqüentemente, essas coisas passaram - no que se refere à obrigação de praticá-las - quando o Filho do Homem veio e as cumpriu. As pessoas hoje não mais precisam praticá-las, pois elas evidenciam o que Deus predissera para que os homens não deixassem de reconhecê-Lo e recebê-Lo.

Numerosas passagens inibem o uso de coisas representativas hoje, pois estavam limitadas ao período que terminou com a morte de Cristo. Contudo, multidões ainda incorporam coisas da dispensação passada, puramente judaica, na dispensação da igreja, o que mostra a importância de considerar as divisões e limitações dispensacionais na interpretação das Escrituras.
Muitas coisas foram ordenadas a Israel exclusivamente, mas são às vezes aplicadas como se ainda estivessem em vigor. Por exemplo, alguns tentam aplicar Deuteronômio 22:5 hoje: “Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao SENHOR teu Deus”.
Supõe-se erroneamente que Deus dita a moda, como um pretexto para criticar as mulheres por vestirem calças, apesar de calças serem, muitas vezes, mais decentes do que alguns vestidos... Mas o fato é que, em nenhum lugar Deus dita a moda. Em vez disso, Ele manda que sejamos decentes. Numa cultura o que é roupa de mulher pode ser considerado roupa de homem em outra. Em alguns países saias são roupas de homens, enquanto em outros roupas tipo calça são usadas mais por mulheres. O mais provável é que esse texto tenha a ver com o costume homossexual de homens e mulheres “transvestirem” (usar roupas do sexo oposto) - que é uma questão moral - Deus lida é com questões morais: uma rebelião deliberada contra a vontade de Deus, com relação à masculinidade e feminilidade. Os que repreendem as mulheres usando Deuteronômio 22:5 são hipócritas, pois não usam qualquer outro versículo nesse capítulo em sua pregação. Por exemplo, pelo mesmo critério, muita gente viola
Deuteronômio 22:11: “Não te vestirás de diversos estofos de lã e linho juntamente”. Moças que não são mais virgens quando se casam, não correm o risco de serem apedrejadas; mas veja o dever dos líderes de assumir a liderança nisso em Deuteronômio 22:13-21. E o capítulo 22 tem outras coisas que os pregadores modernos não obedecem, de modo que é incoerente e hipócrita usar o versículo 5 para açoitar os irmãos e, ao mesmo tempo, ignorar todos os outros versículos.


Isto reflete, de fato, a falta de critério na interpretação dos mandamentos bíblicos. Desconhecimento do conceito dispensacionalista leva a erros cada vez piores na vida da Igreja. Há muitas coisas em Deuteronômio que são apropriadas, pois nosso Senhor Jesus citou desse Livro mais vezes do que qualquer outro, e Ele próprio cumpriu o que foi predito em 18:15, 18-19. Mas muitas leis desse Livro eram puramente nacionais, só para Israel, e não se deve aplicá-las de outro modo. Tentar obrigar os santos do Novo Testamento a guardar leis nacionais, dietéticas e cerimoniais do Velho Testamento envolve a incapacidade de reconhecer a Lei do Dispensacionalismo, e invariavelmente trará confusão e tenderá ao legalismo.
Continua, doa a quem doer!
Texto de Davis W. Huckabee, traduzido por Júlio Severo, revisado por Joy E Gardner e Calvin G Gardner, editado por Georges Edward Alves
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