terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Dispensacionalismo

O que é?
Para que serve?
É bíblico?

Tenho sempre dito aqui que determinados mandamentos e ordenanças foram dados a Israel e não à Igreja; que certas práticas que temos visto hoje em dia estão deslocadas e não deveriam mais ser a norma do cristão.
Mas por que essa distinção, hão de perguntar. Como saber o que é válido e o que não é? Como saber por que motivo não se usa mais circuncidar o primogênito, mas ainda se pratica o dízimo? Por que temos levitas na Igreja mas não sacrifício de animais e sacerdotes? Por que muitas igrejas implicam se a mulher usar calça comprida mas não guardam o sábado e até fazem feijoada, feita com animal considerado impuro? Afinal, o que fazer? Quem está com a razão?
Creio que a resposta a todas essas perguntas – e mais uma vez, a compreensão sobre a questão levantada anteriormente sobre o dízimo – está no entendimento do conceito teológico das dispensações.
Vamos tentar esclarecer isto em três capítulos, começando com este.

A palavra “dispensação” vem do substantivo grego oikonomá (oikos = casa; nomos = lei); normalmente traduzido como “administração” ou, por transliteração, “economia” (no sentido de gerir, administrar, supervisionar), cf. Lucas 16:1-13. “Dispensação” se refere, portanto, ao método divino de lidar com a humanidade e de administrar a Verdade em diferentes períodos de tempo. Ninguém consegue ler as Escrituras sem ver que Deus lida com o homem em algumas épocas diferentemente do que Ele lidou em outras. Compreender as diferentes “economias” ou administrações de Deus é essencial para uma correta interpretação da revelação de Deus na História.
Quanto ao número de dispensações, o mais comumente sugerido é sete, com cinco delas já passadas, uma na qual estamos agora vivendo, e mais uma que está ainda no futuro.
A palavra “dispensação” aparece várias vezes nas Escrituras, com o sentido de administração, a saber:
O verbo oikonoméiô em Lucas 16:2.
O substantivo oikonomos em Lucas 12:42 (mordomo); 16:1, 3, 8 (administrador); Romanos 16:23 (tesoureiro); I Coríntios 4:1, 2; Tito 1:7; I Pedro 4:10 (despenseiros); Gálatas 4:2 (tutores ou curadores).
O substantivo oikonomá aparece em Lucas 16:2, 3,4; I Coríntios 9:17; Efésios 1:10; 3:2, 9; Colossenses 1:25; I Timóteo 1:4.
No entanto, a palavra grega aion, que aparece no Novo Testamento cerca de cem vezes, geralmente traduzida “mundo”, “eternamente” ou “sempre”, é aceita comumente com o sentido de “era” ou “época”.
Vemos que antes do cumprimento de todas as coisas no grande programa de Deus, há só esta era atual e outra que virá:
“E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do homem, ser-lhe-á perdoado; mas, se alguém falar contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século (aion = época) nem no futuro (literalmente, ‘nem no vindouro’). (Mateus 12:32)
“Que não haja de receber muito mais neste mundo (kairos = tempo), e na idade vindoura (aion = época) a vida eterna”. (Lucas 18:30)
“Acima de todo principado, e poder, e potestade, e domínio, e de todo nome que se nomeia, não só neste século (aion = época), mas também no vindouro (de novo, literalmente ‘o vindouro’)”. (Efésios 1:21)
Aí se vê uma era ou dispensação presente e uma que está para vir.
Mas como tudo isso entra na correta interpretação da Bíblia? Deve-se considerar bem esse assunto, pois algumas coisas das Escrituras estão ligadas somente a determinada dispensação, e se tentarmos interpretá-las em referência a outra, o resultado será confuso. Algumas coisas são aplicáveis a todas as eras, pois são princípios eternos de verdade e justiça. Os princípios apresentados no Decálogo ou Dez Mandamentos, embora tivessem sido registrados pela primeira vez na dispensação mosaica, são de tal verdade moral que estão em vigor em todas as eras da história do homem. Está implícito em Romanos 2:14-15 que essas leis sempre estiveram escritas no coração humano, mesmo antes que fossem escritas em pedra no monte Sinai. Ninguém pode anulá-las sob a alegação de que não pertencem à presente dispensação, a não ser para ver a ordem moral praticamente destruída.
As dispensações pressupõem algumas condições:
1 – há sempre duas partes envolvidas
2 – há responsabilidades específicas
3 – há prestação de contas
4 – podem ocorrer mudanças a qualquer tempo se for constatada infidelidade/irregularidade na administração
5 – os homens são responsáveis diante de Deus
6 – é exigida a fidelidade de ambas as partes
7 – a administração pode acabar a qualquer tempo
8 – há, provavelmente 7 dispensações, havendo alguma diferença no nome dado a cada uma, mas cada uma é claramente específica e diferente das demais.
Cada dispensação é caracterizada da seguinte forma:
1 – revelação distinta e clara do seu propósito e condições
2 – há possibilidade de falhas
3 – nesse caso, há sempre uma penalidade, como em um contrato, sob a forma de julgamento/juízo
4 – pode haver anulação de certos preceitos até então válidos
5 – pode haver introdução de novos princípios não válidos anteriormente
6 – pode haver manutenção de alguns preceitos antigos
7 – novo nível de revelação do plano de Deus (revelação progressiva)
8 – distinção entre os planos da Deus para Israel, para a Igreja e para as nações (I Coríntios 10:32 = Não vos torneis causa de tropeço nem a judeus, nem a gregos [cf. gentios], nem à igreja de Deus)
Para não estender muito descrevendo todas as dispensações nos mínimos detalhes, só gostaríamos de observar que muitas coisas foram dadas por Deus para instruir e preparar Israel a reconhecer o Messias quando Ele viesse, sendo, portanto, representativas do que ainda havia de vir. Conseqüentemente, essas coisas passaram - no que se refere à obrigação de praticá-las - quando o Filho do Homem veio e as cumpriu. As pessoas hoje não mais precisam praticá-las, pois elas evidenciam o que Deus predissera para que os homens não deixassem de reconhecê-Lo e recebê-Lo.
O fim dessa era se deu quando se rasgou o véu do Santíssimo Lugar na morte de Jesus, Marcos 15:37-38. Veja a referência em Hebreus 10:18-20: “Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado. Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne” (Hebreus 10:18-20).
Numerosas passagens inibem o uso de coisas representativas hoje, pois estavam limitadas ao período que terminou com a morte de Cristo. Contudo, multidões ainda incorporam coisas da dispensação passada, puramente judaica, na dispensação da igreja, o que mostra a importância de considerar as divisões e limitações dispensacionais na interpretação das Escrituras.
Muitas coisas foram ordenadas a Israel exclusivamente, mas são às vezes aplicadas como se ainda estivessem em vigor. Por exemplo, alguns tentam aplicar Deuteronômio 22:5 hoje: “Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao SENHOR teu Deus”.
Supõe-se erroneamente que Deus dita a moda, como um pretexto para criticar as mulheres por vestirem calças, apesar de calças serem, muitas vezes, mais decentes do que alguns vestidos... Mas o fato é que, em nenhum lugar Deus dita a moda. Em vez disso, Ele manda que sejamos decentes. Numa cultura o que é roupa de mulher pode ser considerado roupa de homem em outra. Em alguns países saias são roupas de homens, enquanto em outros roupas tipo calça são usadas mais por mulheres. O mais provável é que esse texto tenha a ver com o costume homossexual de homens e mulheres “transvestirem” (usar roupas do sexo oposto) - que é uma questão moral - Deus lida é com questões morais: uma rebelião deliberada contra a vontade de Deus, com relação à masculinidade e feminilidade. Os que repreendem as mulheres usando Deuteronômio 22:5 são hipócritas, pois não usam qualquer outro versículo nesse capítulo em sua pregação. Por exemplo, pelo mesmo critério, muita gente viola
Deuteronômio 22:11: “Não te vestirás de diversos estofos de lã e linho juntamente”. Moças que não são mais virgens quando se casam, não correm o risco de serem apedrejadas; mas veja o dever dos líderes de assumir a liderança nisso em Deuteronômio 22:13-21. E o capítulo 22 tem outras coisas que os pregadores modernos não obedecem, de modo que é incoerente e hipócrita usar o versículo 5 para açoitar os irmãos e, ao mesmo tempo, ignorar todos os outros versículos.
Isto reflete, de fato, a falta de critério na interpretação dos mandamentos bíblicos. Desconhecimento do conceito dispensacionalista leva a erros cada vez piores na vida da Igreja. Há muitas coisas em Deuteronômio que são apropriadas, pois nosso Senhor Jesus citou desse Livro mais vezes do que qualquer outro, e Ele próprio cumpriu o que foi predito em 18:15, 18-19. Mas muitas leis desse Livro eram puramente nacionais, só para Israel, e não se deve aplicá-las de outro modo. Tentar obrigar os santos do Novo Testamento a guardar leis nacionais, dietéticas e cerimoniais do Velho Testamento envolve a incapacidade de reconhecer a Lei do Dispensacionalismo, e invariavelmente trará confusão e tenderá ao legalismo.
Continua, doa a quem doer!

Texto de Davis W. Huckabee, traduzido por Júlio Severo, revisado por Joy E Gardner e Calvin G Gardner, editado por Georges Edward Alves
22770