Corta para os dias atuais. Local: qualquer jornal diário. O assunto: o nepotismo. Praga antiga, que desde a Roma Imperial vem empesteando a sociedade. Recentemente vimos o senador Sarney enrolado para explicar o emprego de funcionários fantasmas que por sinal eram parentes seus. Até namorado da neta mamava no Senado sem nunca ter ido lá. Já nos acostumamos a ver – e criticar duramente – principalmente no meio político essa prática infeliz.
Mas o que muitos ignoram, ou se recusam a ver, é que esse costume abominável chegou às nossas igrejas. Muitas igrejas têm-se desfiliado das convenções nacionais exclusivamente com o propósito velado de adotar essa prática nefanda.
Muitos de vocês nem eram nascidos nesse tempo. Há uns trinta anos ou mais, a grande maioria das igrejas evangélicas deste país era organizada em convenções. Havia a Convenção Batista Brasileira, chamada “tradicional”, e sua dissidência, a Convenção Batista Nacional, chamada “renovada”; mas ambas seguiam – e seguem – praticamente a mesma organização e métodos (inclusive já há quem defenda a re-união, assunto para outra postagem, em breve). Mas a Igreja Presbiteriana tem o seu Concílio, as Assembléias de Deus têm a CGADB e a Conamad, e assim por diante. Com algumas exceções, é claro, mas no geral as igrejas, que então eram sérias e evangélicas, funcionavam com muita organização. Um dos principais motivos era que dessa forma, a convenção geral ou nacional era quem escalava e distribuía os pastores pelas igrejas, fazendo um rodízio de tantos em tantos anos. Isso não deixava que eles viessem a ser idolatrados pelo povo, e se tornassem donos de igrejas.
Entretanto, há uns trinta anos, aproximadamente, começaram a surgir alguns movimentos estranhos. Algumas igrejas, principalmente as maiores e mais influentes, começaram a alegar motivos esdrúxulos e começaram a se desfiliar das convenções. Uma estranha coincidência é que nessa mesma época aparece, a princípio timidamente, depois com mais ousadia, o conceito de “cobertura”. Estranha por que não se pode entender que o pastor titular exija que os membros fiquem sob sua “cobertura” – um conceito por si só bastante discutível à luz das Escrituras – mas ao mesmo tempo saia de debaixo da “cobertura” da denominação. Ou seja, a “cobertura” só vale deles para baixo.
Mas tudo tem uma explicação, que nem sempre é clara, mas que com o tempo acaba vindo à tona.
O que aconteceu? Aconteceu que aquele pastor se tornava “dono” da igreja! Não tendo mais a quem prestar contas, não corria o risco de “fazer um bom trabalho” e depois ser substituído, deixando o aprisco para outro tomar conta. Agora ele era dono do redil; podia imprimir o seu ritmo, o seu estilo, até mesmo a sua interpretação particular, ou, como se tornou chavão, “a visão”.
Mas o efeito mais duradouro dessa mudança organizacional é de caráter prático. Eu comecei há muitos anos a detectar esse movimento e o chamei, na época, de feudalismo evangélico. Isso porque as igrejas não só passaram a ter donos, mas também herdeiros! Os pastores, sabiamente, ao perceberem que não durariam para sempre, trataram de cuidar da sucessão do que agora era seu feudo particular – lembre-se, não estavam mais sob a autoridade da convenção geral. Passou a ser o senhor do castelo, como o garoto do filme, e todos os outros passam a ser vistos como invasores em potencial daquele mundinho. E como todo senhor feudal que se preze, a possessão passa para a próxima geração, mas sempre na mesma família! Uma possessão vitalícia.




Edição de livros, a mesma coisa. O pastor escreve uma coisinha aqui, outra ali, daqui a pouco a igreja tem sua própria editora. Mesma coisa do estúdio, baixam-se os custos de produção, mas não o preço da venda. Mentalidade empresarial, ora, dirão os modernos.


Mas, para não alongar demais a conversa, e por falar em livros, vamos terminar tratando de mídia.
É sem dúvida muito importante o uso da mídia, em todas as suas possibilidades, para a evangelização, missões, edificação pela pregação da Palavra de Deus. Sou totalmente a favor do rádio, da TV, do cinema, dos jornais, livros, folhetos, revistas. Internet, blogs, e-mail (sem spam, por favor), twitter, torpedos, e o que mais ainda for inventado. O que eu sou contra é o uso dessas ferramentas para promoção
própria, enriquecimento pessoal e/ou divulgação de doutrinas particulares! Igrejas com canais de TV? Isso era o sonho de toda uma geração de cristãos bíblicos! Resta ver se o conteúdo presta. Programas de culinária (ao lado)? Programas de moda? Transmissão ao vivo de raves gospel? E isso é o que vemos hoje em canais ditos “cristãos”. Mais uma vez, felizmente, com honrosas, mas poucas, exceções. E quando a mídia resulta mais em glorificação do feudo e do senhor do castelo do que de Deus, aí podemos de fato desconfiar de que quem manda é o senhor feudal, com vistas à perpetuação do seu poder.

E de sua dinastia, PER OMNIA SAECVLA SAECVLORVM.
Depois, quando o pessoal diz que há uma mentalidade medieval permeando certos rincões do cristianismo atual, tem gente que reclama.